O Congresso vai controlar por meio de emendas parlamentares R$ 38,8 bilhões do Orçamento de 2023, segundo proposta apresentada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) nesta quarta-feira (31).
O valor representa 73% dos R$ 52,5 bilhões que seriam demandados para assegurar a continuidade do benefício mínimo de R$ 600 no Auxílio Brasil. O aumento ficou de fora do texto, que prevê pagamento médio de R$ 405.
O montante reservado para as emendas também é o dobro da previsão de investimentos públicos (como construção de rodovias e escolas), estimada em R$ 20 bilhões.
A previsão de recursos indicados pelos parlamentares em 2023 é impulsionada pelas chamadas emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações políticas do governo para manter uma base aliada fiel no Congresso Nacional.
Embora as emendas de relator tenham sido criadas em 2020, esta é a primeira vez que o valor a ser utilizado pelos congressistas é indicado já na partida do processo de elaboração do Orçamento, no texto enviado pelo governo.
Antes, esses números eram inseridos pelos próprios parlamentares durante a tramitação no Congresso, usualmente mediante cortes em despesas obrigatórias (isto é, que não poderiam ser reduzidas), resultando em gastos maquiados.
Na tentativa de carimbar uma fatia maior de recursos, o Congresso inseriu na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) uma regra de cálculo para o valor das emendas de relator: ele deve ser equivalente à soma das emendas individuais e de bancada estadual, instrumentos que já existiam anteriormente.
A mudança foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Como o Orçamento prevê R$ 11,7 bilhões para emendas individuais e R$ 7,7 bilhões para emendas de bancada, o valor resultante para as emendas de relator chegou a R$ 19,4 bilhões.
A reserva total de R$ 38,8 bilhões para emendas é R$ 22,5 bilhões maior do que o previsto na proposta orçamentária anterior, de 2022, e R$ 3,1 bilhões acima do Orçamento final deste ano.
Apesar de todas serem emendas, há uma diferença entre elas. Enquanto as emendas individuais e de bancada são distribuídas de forma equânime entre os congressistas, as emendas de relator costumam privilegiar aliados do governo e dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Usualmente, os congressistas contemplados usam a verba para irrigar seus redutos eleitorais, financiando pavimentação de ruas ou estradas e compra de equipamentos e máquinas.
Nesta quarta-feira (31), a Folha mostrou que Lira indicou recursos das emendas de relator para financiar uma obra de pavimentação de uma via nas proximidades de fazendas do próprio deputado, no interior de Alagoas.
Em abril, a reportagem também mostrou que as emendas foram usadas para destinar R$ 26 milhões do governo federal à compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem com uma série de deficiências, como a falta de computadores, de internet e até de água encanada.
O valor turbinado das emendas supera os R$ 20 bilhões reservados até agora para investimentos públicos. Embora as emendas também possam bancar investimentos, ampliando essa conta, o montante previsto pelo Executivo é geralmente associado ao financiamento de projetos mais estruturais. Nesse sentido, a reserva é 17% menor do que os R$ 24,1 bilhões previstos no envio do Orçamento de 2022.
A reserva total das emendas também representa quase metade dos R$ 83,1 bilhões previstos para as despesas discricionárias do Poder Executivo, que incluem os investimentos e também o custeio da máquina pública.
Em uma tentativa de promover maior alinhamento entre o uso das emendas e as políticas do Poder Executivo, o governo distribuiu os R$ 19,4 bilhões das emendas de relator entre diversas rubricas do Orçamento.
A proposta reserva uma fatia de R$ 10,4 bilhões para o Ministério da Saúde –gasto inclusive contabilizado pelo governo para o cumprimento do mínimo constitucional da área. Em seguida, foram previstos R$ 3,5 bilhões para compor a reserva de reajuste a servidores, dentro das contas do Ministério da Economia.
Também foram reservadas verbas para emendas de relator nos ministérios do Desenvolvimento Regional (R$ 1,5 bilhão), da Cidadania (R$ 1,3 bilhão), da Educação (R$ 1 bilhão), do Turismo (R$ 700 milhões), da Infraestrutura (R$ 524 milhões), das Comunicações (R$ 200 milhões) e da Agricultura (R$ 83 milhões).
O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, afirmou que a distribuição de emendas de relator por órgão foi decidida com base no histórico observado nos anos anteriores, respeitando a norma constitucional que prevê o direcionamento de 50% das emendas para a área da Saúde.
“Estamos incorporando, dentro dos diversos órgãos do Poder Executivo, essas emendas de relator e buscando olhar no passado onde essas emendas de relator foram alocadas. Então a gente buscou ter esse cuidado de alocar onde elas normalmente são utilizadas”, disse.
Não há, porém, um comando legal que obrigue os parlamentares a seguirem essa distribuição proposta pela Economia. O próprio secretário reconheceu que os números podem ser alterados pelo Congresso.
ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o final de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte
Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares. Deputados e senadores usam esses recursos para ampliar o capital político, pois tendem a beneficiar as suas bases eleitorais.
As emendas parlamentares se dividem em:
Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de aproximadamente R$ 18 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2022). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: As emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo. Essas emendas começaram a ser usadas em 2020 e ajudaram a ampliar a base de apoio de Bolsonaro no Congresso, que passou a ter um controle maior sobre o Orçamento. Aliados do governo conseguem fatias maiores dessas emendas e, assim, enviam mais recursos a suas bases eleitorais. Em troca, o governo e a cúpula do Congresso conseguiram uma base mais fiel no Legislativo.
Idiana Tomazelli e Fábio Pupo/Folhapress