A jornalista Vera Magalhães, que foi ofendida pelo deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos) durante o debate de candidatos ao governo de São Paulo, na noite de terça-feira (13), disse, em entrevista à GloboNews nesta quarta-feira (14), que o parlamentar agiu “deliberada e premeditadamente”.
“Ele tinha uma credencial de convidado do candidato Tarcísio Freitas para me agredir, ele fez isso deliberadamente e premeditadamente porque ele postou antes nas redes sociais que estava a minha espera. Perguntou: ‘será que a Vera Magalhães vai aparecer?’. Portanto, quem se diz agora surpreso e indignado – seu partido, já devia ver que ele estava premeditando alguma coisa, pois ele fez essa postagem. Isso é lamentável, é inadmissível”, afirmou.
“A gente está vivendo uma escalada de violência contra jornalistas, notadamente contra jornalistas mulheres, e isso nos coloca num lugar de um país que tem a sua democracia já maculada, já ameaçada, e eu acho que a gente não pode condescender com isso”, continuou.
O Republicanos, partido do deputado estadual, informou nesta quarta que repudia a maneira como o parlamentar abordou Vera. Ele se filiou ao partido em 2021. No mesmo comunicado, o partido informou que irá convocar o parlamentar para se explicar. Depois disso, a legenda decidirá se irá tomar alguma medida contra ele.
Vera Magalhães também afirmou que Garcia repetiu as mesmas frases ditas pelo presidente Jair Bolsonaro (Republicanos) no debate presidencial da Band, realizado no dia 28 de agosto.
“Tudo isso começou no debate presidencial, quando eu fiz uma pergunta ao candidato Ciro Gomes (PDT) com comentário do Bolsonaro (Republicanos), e ele usou isso para me atacar. Ele usou a mesma frase proferida pelo Douglas Garcia, de que eu sou uma ‘vergonha para o jornalismo brasileiro’. Isso autoriza alguém a proferir um ataque dessa virulência, e aí há um debate para o qual ele foi convidado por uma das candidaturas. Ele foi convidado”, afirmou.
Garcia estava na comitiva do candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos). Tarcísio já gravou vídeos de apoio e com pedido de voto para a candidatura de Garcia para deputado federal na eleição deste ano. O candidato, inclusive, usa foto do ex-ministro e de Bolsonaro em seu material de campanha.
Acho que quando a democracia sofre ataque, e a imprensa é um pilar basilar, necessário, imprescindível da democracia. É toda a sociedade que perde. A gente às vezes não dá valor intrínseco à democracia, acha que não é algo que tem a ver com a nossa vida, mas tem sim. Porque se hoje acontece com o jornalista, se hoje acontece com o ministro do Supremo, amanhã pode acontecer com qualquer um”, disse.
O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) irá apurar a conduta do parlamentar. A ALESP já recebeu seis pedidos de cassação contra Garcia.
Ainda na entrevista à Globo News, a jornalista afirmou que está andando com seguranças. Vera, que é colunista do jornal O Globo, comentarista da rádio CBN e apresentadora do programa Roda Viva, da TV Cultura, estava na área reservada para jornalistas quando foi abordada por Douglas Garcia.
Com o celular em punho, ele se aproxima de Vera e diz que ela é “uma vergonha para o jornalismo” e a intimida. A frase é a mesma usada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) contra a jornalista durante o debate da Band entre candidatos à Presidência.
O que diz o Republicanos
“O Republicanos repudia o ocorrido nos bastidores do debate da TV Cultura envolvendo o deputado estadual Douglas Garcia e não compactua com a forma como ele abordou a jornalista Vera Magalhães. A conduta do partido, que preza pelo conservadorismo na sua essência, é sempre pela via do diálogo, do bom senso e do respeito aos demais partidos, às instituições e às pessoas. Isso foi deixado claro ao Douglas no ato da sua filiação no ano passado”, diz a nota.
“Não reagimos com destempero às meias-verdades ou mentiras publicadas a nosso respeito. Ao contrário: procuramos sempre mostrar o outro lado ainda que ele seja muitas vezes ignorado. Nunca o partido agrediu de nenhuma maneira qualquer pessoa. Sendo assim, a Executiva Estadual do Republicanos de São Paulo irá convocar o deputado Douglas Garcia para dar suas explicações e avaliará eventuais medidas concretas a serem tomadas”, informa o comunicado da Executiva estadual do partido em São Paulo.
O que diz Douglas Garcia
Em seu perfil nas redes sociais, Douglas Garcia divulgou um vídeo no qual negou ter agredido a jornalista. Ele afirma que a abordou para questionar o contrato dela com a TV Cultura e que registrou um boletim de ocorrência contra ela por “calúnia e difamação”. Ao final da gravação, ele repete as ofensas que proferiu durante o debate.
O parlamentar também voltou a falar a mentira que tem sido compartilhada em redes sociais de que Vera Magalhães receberia R$ 500 mil anualmente.
“Eu ganho R$ 22 mil por mês da TV Cultura, desde o ano de 2020, num contrato que é público, que ele como deputado já requereu e ao qual ele tem acesso, e que eu já publiquei nas minhas redes sociais. Ele veio mentir novamente”, declarou Vera em um vídeo em seu perfil no Instagram.
Pedidos de cassação
Os deputados estaduais Emídio de Souza e Paulo Fiorilo, ambos do PT, informaram em suas respectivas contas no Twitter que vão pedir na Alesp a cassação de Garcia. “Aliás é contra esse tipo de postura que lutamos diariamente. Nojo desse tipo de pessoa que se esconde na imunidade parlamentar para intimidar e agredir”, tuitou Fiorilo.
A deputada estadual Monica Seixas informou à imprensa que apresentou ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Alesp o pedido de cassação do mandato de Douglas Garcia. O motivo do pedido de cassação seria a quebra de decoro em função da agressão amplamente noticiada contra a jornalista Vera Magalhães. “Atitudes assim não podem passar impunes”, informou a assessoria da parlamentar.
Questionada, a assessoria da Alesp afirmou que recebeu uma representação pela cassação do deputado feita pelo PT por conta do caso.
Boletim de ocorrência
Vera afirmou que precisaria sair escoltada do local do debate, e que fará um boletim de ocorrência.
“Esse tipo de postura vinda de um parlamentar é inaceitável, intolerável na democracia. Não será um truculento, nem dois, que irão me intimidar a continuar fazendo meu trabalho. O deputado tem o meu contrato, porque o requereu. Mente reiteradamente. Agride mulher. Não vai me calar”, afirmou, na rede social.
Foto: Reprodução/Redes sociail
O jornal O Globo e a rádio CBN divulgaram nesta quarta-feira (14) uma nota de repúdio aos ataques do deputado Douglas Garcia (Republicanos) contra a jornalista Vera Magalhães.
Leia a íntegra da nota:
“É inaceitável sob todos os aspectos o ataque feito pelo deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) à jornalista Vera Magalhães, colunista do GLOBO, da CBN e apresentadora da TV Cultura. Não há espaço para esse tipo de ataque contra profissionais de imprensa em um ambiente democrático. Ao ofender e constranger a jornalista, uma das mais respeitadas do país, o deputado desferiu um atentado à imprensa livre. A situação é agravada pelo fato de Douglas estar no debate como convidado do candidato Tarcísio de Freitas, que, menos mal, repudiou a agressão. O episódio também prova, para que ainda tinha alguma dúvida, que a conduta violenta do presidente Jair Bolsonaro, que atacou a jornalista no debate da Band, há duas semanas, gera agressões subsequentes. Os ataques não impedirão que o jornalismo independente siga fazendo as perguntas necessárias a todos que ocupam, ou pretendem ocupar, cargos de poder”.
Processos, ofensas e polêmicas
Deputado bolsonarista, Douglas Garcia tem histórico de agressões, polêmicas e denúncias no Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de SP.
Em junho de 2020, ele foi suspenso pela presidência da Casa por conta do envolvimento na disseminação de fake news e de ataques a instituições pilares da democracia.
No ano passado, ele foi condenado a indenizar todas as pessoas que tiveram seus dados divulgados em junho de 2019 no chamado “dossiê antifascista”, que contém centenas de dados pessoais de opositores do governo federal.
No documento de quase mil páginas, os nomes, fotografias, endereços e telefones pessoais de várias pessoas foram divulgados sem prévia permissão e associados a termos como “terroristas” e “organização criminosa”.
Ele responde a pelo menos onze processos na Justiça de São Paulo por causa do suposto dossiê. No total, as indenizações perdidas por ele já somam R$ 70 mil.
Em maio deste ano, a deputada Erica Malunguinho entrou com representação por transfobia contra Garcia. Em uma sessão na Alesp, ele disse que trans é “homem que se acha mulher”.
Em junho, o YouTube suspendeu o canal oficial da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo (Alesp) por sete dias após Douglas Garcia exibir um vídeo com desinformação sobre Covid.
Fonte G1