O combate à pandemia pelo governo federal gerou um dos confrontos inaugurais da noite deste domingo entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro debate do segundo turno entre os dois candidatos, na TV Bandeirantes. O petista responsabilizou o atual mandatário pelas mais de 600 mil mortes pela Covid-19 e pelo atraso na vacinação no país, lembrando episódios como o vídeo em que seu adversário imitava uma pessoa com falta de ar. Bolsonaro rebateu, defendeu sua gestão e disse que comprou 500 milhões de doses de imunizantes para quem quisesse se vacinar. O encontro dos dois, então, virou uma troca de acusações, numa disputa de narrativas em que os os presidenciáveis se chamavam repetidamente de “mentirosos” nos vários temas trazidos à tona, das obras de transposição do Rio São Francisco à distribuição de fake news.
Logo no começo do debate, quando a pandemia dominava o embate, Lula chamou o adversário de rei da fake news e da estupidez.
— O senhor debochou, riu, disse que quem tomasse vacina virava jacaré, homossexual, deixou as pessoas morrerem afogadas sem oxigênio em Manaus. Virou vendedor de remédio que não servia para nada — disse Lula. — Os números estão aí. Você é o rei da fake news, o rei da estupidez, de mentir para a sociedade brasileira. Você mentiu sobre a vacina. E o Brasil carrega a pecha de ser o país que tem mais mortes pela Covid. É lamentável. E mais ainda: o senhor não se dignou a visitar uma família que perdeu alguém para a Covid. Depois, para parecer bonzinho, foi ao enterro da rainha da Inglaterra, quando poderia ter visitado centenas de pessoas que morreram de Covid aqui. Disse que não morreram crianças. Morreram duas mil crianças de Covid — acusou Lula.
Em seguida, foi a vez de Bolsonaro tentar desmentir as declarações de Lula:
— Seu Lula, entenda uma coisa: os enterros eram com caixão lacrado. Não se podia ir a enterros. Nem familiares. E eu visitei hospitais, sim. O senhor que não tem conhecimento. Só que eu não preciso fazer propaganda do que faço. Me preocupei com cada morte no Brasil — afirmou o atual presidente. — Repito. Nós compramos 500 milhões de doses de vacina. O Brasil foi exemplo do mundo no tocante à vacinação. Menos de um mês depois da primeira dose aplicada no mundo, o Brasil começou a aplicar. E todas as vacinas foram compradas pelo governo federal. Nos orgulhamos desse trabalho. Salvamos milhões de vida. Se fosse alguém do seu governo, alguém do consórcio Nordeste, vocês teriam roubado tudo e tinha morrido muita gente cuja morte poderia ter sido evitada — acrescentou depois.
Em meio às acusações mútuas foram trazidos temas como a CPI da Covid e as denúncias com relação ao pedido de uso emergencial dos imunizantes da Covaxin. “A CPI provou que tinha gente negociando US$ 1 por cada dose de vacina”, disse Lula, antes de Bolsonaro afirmar que o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a decretar estado de emergência, mas o governo teria sido “ignorado por aqueles que queriam o carnaval a qualquer preço”.
Fake news e controvérsia sobre pedofilia
Um tema central nesta corrida eleitoral, a distribuição de fake news foi mais enfaticamente discutida após a pergunta da jornalista Patrícia Campos Melo, no segundo bloco. Primeiro a responder, Lula pontuou os processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para retirar do ar trechos da campanha bolsonarista.
— Trinta e seis fake news o TSE tirou dele. A imprensa publica fartamente que são pelo menos seis ou sete mentiras por dia contadas, brinca de falar mentira. Levanta de madrugada, tem vontade, vai e conta uma mentira. Faz uma live, e conta mentira. Levanta até 1h da manhã pra fazer live — disse o petista, se referindo a transmissão realizada na madrugada deste domingo, em que Bolsonaro repercutiu o caso das meninas venezuelanas.
Em sua vez de se pronunciar, Bolsonaro abordou a controvérsia da semana, depois de a internet ter sido inundada por um vídeo em que o atual presidente afirma que “pintou um clima” com adolescentes venezuelanas na comunidade de São Sebastião, nas proximidades de Brasília – declaração interpretada de maneira diferente pelos dois lados da disputa.
Mais cedo, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, havia determinado a remoção de vídeos postados por perfis da campanha de Lula em redes sociais que reproduziram a fala de Bolsonaro sobre as venezuelanas ou qualquer conteúdo relacionado ao tema. Moraes também tinha decidido que a campanha se abstivesse de promover novas manifestações sobre “os fatos tratados” em representação protocolada pela campanha do atual presidente. No debate, Bolsonaro elogiou a determinação de Moraes, ministro que o presidente e bolsonaristas recorrentemente questionam.
— Lula, se você não mentisse, não seria você. Me chama o tempo todo de miliciano, genocida, canibal. No seu último programa, influenciado por Gleisi Hoffmann, me acusou de pedofilia. Tentando me atingir no que tenho de mais sagrado: defesa da família brasileira, das crianças. Ato contínuo o que aconteceu no dia de hoje: o senhor Alexandre de Moraes dá uma sentença contrária a essas fake news, essas mentiras. E diz a sentença: “a postagem realizada pela representada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em 15 de outubro, se descola da realidade por meio de inverdades, fazendo uso de recortes, encadeamentos inexistentes, das falas gravemente descontextualizadas do representante Jair Bolsonaro, com o intuito de induzir o eleitorado negativamente” — afirmou.
Complexo do Alemão
Lula trouxe à cena as polêmicas nas redes sociais após sua visita, na semana passada, ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro. Na ocasião, o petista usou um boné com a sigla CPX, que designa “complexo”. Na internet, grupos associaram o acessório à criminalidade.
— Fui ao Complexo do Alemão, povo extraordinário, trabalhador. E ali, não tinha bandido. Tinha mulher e homens que trabalham. Os bandidos o senhor sabe onde estão. Tinha um vizinho seu que tinha 100 armas dentro de casa. Não morava na favela do Complexo do Alemão, morava em um apartamento na Avenida em Copacabana. Achar que bandido está só no lugar dos pobres… Os bandidos estão, na verdade, no lugar dos ricos. Os pobres são trabalhadores e eu vou voltar ao Complexo do Alemão. Porque não foram os presos que votaram em mim, foi o povo brasileiro — disse.
Anteriormente, Bolsonaro errou o nome do Complexo do Alemão, que ele chamou de Complexo do Salgueiro (conjunto de comunidades que fica no município de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio).
— O senhor esteve atualmente no Complexo do Salgueiro. Não tinha nenhum policial ao seu lado, só traficante. Tanto é verdade a sua afinidade com traficantes, com bandidos, que nos presídios do Brasil, a cada cinco votos, o senhor teve quatro votos — afirmou Bolsonaro.
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