Motorista de 47 anos que aguardava no estacionamento diz não saber que amigo furtava carnes antes de ser levado a depósito de estabelecimento em Canoas. Defesa de seguranças não quis comentar relato.
Uma das vítimas de tortura em um supermercado de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, descreveu o que cada segurança fez durante as agressões investigadas pela Polícia Civil. O motorista, um homem negro de 47 anos, diz que fazia uma corrida contratada pelo amigo suspeito de furtar picanha no estabelecimento. Ele deu detalhes do que ocorreu no dia 12 de outubro em entrevista à RBS TV na sexta-feira (9).
A reportagem mostrou a imagem em que os cinco seguranças estão perfilados em uma foto tirada por um dos funcionários do supermercado. Questionado sobre qual deles foi o que mais o agrediu, o homem responde: “Esse cinza aqui, que tá de braço cruzado e camiseta, o de amarelo, o de rosa e o outro que tá de jaqueta ali”, fala.
O advogado dos seguranças não quis se manifestar sobre as declarações da vítima em entrevista. A rede UniSuper diz que “confia no trabalho da polícia e segue aguardando a conclusão do inquérito pelas autoridades”. A defesa do gerente e do subgerente do mercado, ambos já demitidos, diz que só vai se manifestar nos autos.
O advogado dos dois homens agredidos, Sandro Vinicio Costa Correa, diz que seus clientes não reagiram aos ataques, que considerou desproporcionais.
“Nossos clientes sofreram, foram cenas horríveis que acredito que ninguém consiga entender tamanha brutalidade, tamanha desproporcionalidade por parte dos seguranças contra dois homens que, em nenhum momento, demonstraram qualquer reação”, comenta.
Dos cinco seguranças, três são policiais militares: o primeiro-tenente da reserva Gilmar Cardoso Rodrigues e os soldados em estágio probatório, lotados no 20º BPM, na Zona Norte de Porto Alegre, Gustavo Henrique Inácio Souza Dias e Romeu Ribeiro Borges Neto. Outros dois não tiveram os nomes revelados. O gerente é Adriano Dias, e o nome do subgerente é Jairo da Veiga.
De acordo com a vítima das agressões, todos os seguranças estavam armados.
“Dava pra ver que todos estavam armados, inclusive dois puxaram a pistola pra nós. Apontaram, apontaram na nossa cabeca e disseram que iam nos matar”, conta.
Detalhes
Segundo o homem agredido, o segurança de jaqueta desferiu chutes contra sua cabeça e na boca. “Ele me chutou bastante na cabeça”, diz. O PM de roupa rosa “também deu bastante soco, bastante paulada”.
O segurança de camiseta amarela e o PM de camiseta cinza “começaram aquela tortura como se fosse uma palmatária. Eles mandaram esticar as mãos e eles vinham com sarrafo e davam com força”.
Para o homem de cinza, o agredido disse ter pedido para não ser agredido no peito, em razão de um infarto sofrido em agosto. “Ele disse: ‘é, negão, não é pra bater no teu peito? Então, agora que eu vou bater no teu peito'”, relata.
O policial militar aposentado, de acordo com o relato, agrediu o motorista na rua. “Eles chamavam ele de comandante”, conta. Ele ainda teria ordenado que o celular da vítima fosse quebrado.
“Bateu, mas bateu pouco. Ele não batia tanto que nem os outros. Os outros eram mais fortezinhos, então os outros eram que batiam mais”, fala.
Ele ainda comenta que o gerente do supermercado levou uma máquina de cartão de crédito para o pagamento das carnes. As vítimas dizem que foram exigidos R$ 800 e que os produtos foram divididos entre os agressores.
Entenda
De acordo com a polícia, as duas pessoas que foram torturadas teriam furtado dois pacotes de picanha, com custo de R$ 100 cada, e foram flagradas pela equipe de segurança do local. Após o flagrante, a dupla passou por uma sessão de tortura, sendo agredida por 45 minutos. As vítimas são dois homens, de 47 e 32 anos, sendo um negro e outro de pele branca.
De acordo com a polícia, 31 câmeras de segurança gravaram o que aconteceu dentro do supermercado e também no depósito onde as vítimas foram agredidas. Após a denúncia, os policiais foram até o estabelecimento coletar as imagens, mas perceberam que os arquivos haviam sido deletados logo que os agentes entraram no local. No entanto, a perícia recuperou as imagens.
Em depoimento à polícia e durante entrevista à RBS TV, o homem que estava no estacionamento disse ter sido alvo de ofensas racistas. A polícia vai apurar a circunstância das ofensas. A defesa dos seguranças nega.
A Polícia Civil confirmou que a Glock Serviços de Portaria é de propriedade da esposa de um policial militar. Já a Polícia Federal diz que a empresa atuava “de modo totalmente irregular” em atividades de segurança privada. A partir disso, foi aberto um processo administrativo de encerramento das atividades da empresa, que culminará na cassação do registro de seu CNPJ.
Na quarta-feira (7), um grupo de manifestantes protestou em frente ao supermercado Unisuper, onde aconteceram as agressões. A Educafro e o Centro Santos Dias de Direitos Humanos protocolaram uma ação civil pública, no dia 6 de dezembro, contra a rede de supermercados Unisuper e a Glock Segurança pela prática de racismo e aporofobia (termo utilizado para designar aversão aos pobres). As associações pedem uma indenização de R$ 40 milhões e reparação de dano moral coletivo e dano social.
Por Jonas Campos, RBS TV e g1 RS