A ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), classificou como uma “liderança” o ex-PM Juracy Prudêncio, o Jura, apontado como chefe de uma milícia na Baixada Fluminense. A afirmação foi feita durante a campanha eleitoral de 2018, quando ele já estava condenado.
O miliciano participou ativamente da campanha da ministra à Câmara dos Deputados há quatro anos, quando cumpria regime semiaberto pela condenação por homicídio e associação criminosa. Ele chegou a atrasar o retorno à cadeia num dia para participar, no palanque, de um comício ao lado de Daniela.
Após a campanha, o miliciano foi um dos convidados para festa de aniversário do prefeito de Belford Roxo, Waguinho, marido da ministra, no fim de outubro de 2018.
Como a Folha mostrou nesta terça-feira (3), o grupo político da ministra mantém há ao menos quatro anos vínculo com a família do ex-PM. A mulher do miliciano, Giane Prudêncio, manteve a aliança e apoiou Daniela neste ano.
A assessoria da ministra afirmou, em nota, que Daniela recebeu apoio político em diversos municípios nas eleições de 2018. Disse também não ter relação com nomeações feitas na prefeitura.
“Ela ressalta que o apoio político não significa que ela compactue com qualquer apoiador que porventura tenha cometido algum ato ilícito. Daniela Carneiro salienta que compete à Justiça julgar quem comete possíveis crimes”, diz a nota.
O advogado Luan Palmeira, que defende o ex-PM, disse que “a pretensa proximidade entre Juracy e Giane Jura com Daniela do Waguinho não possui o condão de arranhar a reputação da ministra do Turismo”.
Daniela foi nomeada como uma forma de contemplar a União Brasil e ampliar a presença feminina na montagem dos ministérios. Também foi uma retribuição pelo empenho dela e do marido na campanha do segundo turno em favor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O casal foi uma das poucas lideranças a apoiar abertamente o petista na Baixada Fluminense.
Um dos atos eleitorais de Daniela e Jura ocorreu nos bairros Rosa dos Ventos e Jardim Pernambuco, em Nova Iguaçu, em 22 de setembro de 2018. A ministra publicou em suas redes sociais fotos ao lado do ex-PM, de sua mulher e do deputado estadual Márcio Canella (União Brasil), com quem fez campanha conjunta em 2018 e 2022.
“Agradecemos pela recepção das lideranças Geane [Giane] e Jura, e pelo carinho de toda população local”, escreveu a ministra. O post foi retirado do ar nesta terça, após a publicação da reportagem.
Naquele sábado, Jura deveria estar cumprindo expediente na Prefeitura de Belford Roxo, onde havia sido nomeado assessor em junho de 2017. A saída da prisão, de segunda-feira a sábado, era permitida apenas para comparecimento ao emprego no município, cujo prefeito já era Waguinho (União Brasil).
O ex-PM caminhou com a ministra quando já havia sido condenado pela acusação de comandar a milícia “Bonde do Jura”, que atuava em Belford Roxo, Queimados, Nova Iguaçu e São João de Meriti. Ele foi preso em 2009 e já somava 26 anos de pena acumulada pela prática de ameaças, extorsões e homicídio na região, inclusive no bairro em que fez campanha com Daniela.
Jura também organizou naquele ano um comício para Daniela e Canella no dia 11 de setembro no Educandário São Cláudio, em Comendador Soares, bairro de Nova Iguaçu. Ele subiu ao palco ao lado dos dois candidatos e do prefeito Waguinho, todos à época no MDB.
O evento começou às 19h. Naquele horário, o ex-PM já deveria estar a caminho do Instituto Penal Cândido Mendes, no centro do Rio de Janeiro, em razão do fim do seu expediente na prefeitura. De acordo com a folha disciplinar na Secretaria de Administração Penitenciária, Jura atrasou quatro horas para retornar à unidade. Ele não foi punido.
Jura esteve nomeado no cargo na prefeitura até janeiro de 2020, quando reportagens do jornal Extra e da TV Globo mostraram sua nomeação e fotos de sua atuação na campanha de Daniela. A Justiça decidiu suspender o benefício, e ele foi transferido para a Cadeia Pública Constantino Cokotós, no centro de Niterói.
Investigação posterior do Ministério Público apontou indícios de irregularidade na comprovação da presença ao trabalho.
As folhas de ponto, apresentadas como prova de comparecimento ao trabalho, estavam assinadas pelo secretário Robenilson Fernandes, mesmo em períodos nos quais ele não estava no cargo como chefe imediato de Jura.
O próprio ex-PM afirmou, em depoimento à Promotoria, que não foi empossado no cargo e que não estava recebendo os R$ 3.000 mensais de remuneração devida.
Apesar disso, o miliciano foi absolvido pelo episódio no processo administrativo dentro da Secretaria de Administração Penitenciária. A apuração teve como única diligência o depoimento do ex-PM.
Desde então, Jura não consegue mais na Justiça benefícios para sair da prisão. O Ministério Público considera que ele é “detentor de poderio e de capacidade para arregimentar homens e armas dentro de sua estrutura criminosa, mesmo estando preso”. A Secretaria de Administração Penitenciária, por sua vez, classifica seu comportamento como excepcional.
Na campanha de 2022, Giane manteve seu apoio à dupla Daniela e Canella. Ela inclusive participou do lançamento da candidatura dos dois, sendo uma das que subiram ao palco com os candidatos. Nas suas redes sociais, a mulher do miliciano divulgou diversas caminhadas em favor da ministra, com material de campanha, como faixas, panfletos e adesivos.
A ministra foi reeleita deputada federal como a mais votada no Rio de Janeiro. Como a Folha mostrou em outubro, a campanha dela foi marcada pelo apoio irregular de oficiais da Polícia Militar e pelo ambiente hostil e armado contra adversários políticos de sua base eleitoral.
1.folha.uol.