A taxa real de juros, que é a diferença entre as expectativas para a taxa básica e as projeções de inflação, caiu nos últimos meses, mas continua em níveis historicamente elevados e exercendo forte pressão sobre a atividade econômica.
O juro real recuou do patamar de 7,7% ao ano no final de 2022 para cerca de 7% nesta semana, segundo o economista Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da administradora, corretora e gestora Warren Rena. Patamar bem superior à taxa considerada “neutra” pelo Banco Central (4% ao ano), aquela que em tese não estimula nem contrai a demanda.
O movimento reflete, principalmente, a queda na expectativa para os juros no prazo de 12 meses. Em dezembro, as taxas negociadas no mercado embutiam a possibilidade de aumento da taxa básica para além dos atuais 13,75% ao ano. Agora, a expectativa é de queda para algo próximo de 12% até o final deste ano.
Um cálculo do Santander que considera a diferença entre as taxas de juros real e neutra para um período de 18 meses à frente, que abrange o efeito máximo do impacto na economia dos juros definidos pelo Banco Central, mostra um recuo de 4,6% em outubro de 2022 –maior valor da série iniciada em 2000– para 4% em março de 2023, menor valor em oito meses, mas ainda próximo das máximas históricas.
Valores acima desse patamar só foram alcançados anteriormente nos momentos de forte aperto monetário de 2003, no primeiro governo Lula, e em 2016, nos governo Dilma Rousseff e Michel Temer.
A taxa para o período de 18 meses à frente em termos reais chegou a 9,1% em outubro e está em 8,8% agora. Ela chegou a 18% em 2005, no primeiro governo Lula, quando o BC ainda não tinha autonomia formal.
“O juro real continua em patamar significativamente contracionista. Essa queda é algo que não colabora muito em termos de efeito sobre a atividade”, afirma Sérgio Goldenstein, da Warren Rena.
“E a gente está olhando só a taxa de curto prazo. Quando se olha o restante da curva [de juros], as condições financeiras continuam muito apertadas. Há um prêmio muito elevado que decorre de uma combinação de fatores: incerteza fiscal, risco de alteração na meta de inflação, medo de um Banco Central mais leniente a partir de 2025”, diz o economista, se referindo ao fim do mandato de Roberto Campos Neto à frente do BC.
Goldenstein afirma que os mercados de capitais e de crédito sofreram com o evento que levou à recuperação judicial das Americanas, o que também tornou mais caro a tomada de crédito para as empresas.
Ele espera uma redução da Selic para 11% até o final do ano, projeção mais otimista que a média do mercado. Esse cenário considera a apresentação de uma nova regra fiscal para substituir o teto de gastos que seja rigoroso no controle das despesas e a redução da pressão do governo sobre o Banco Central por um corte de juros.
Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, também afirma que a taxa real continua em níveis extremamente elevados, mas diz que uma queda mais rápida dos juros depende de uma queda da inflação mais consistente e duradoura no Brasil e do cenário internacional.
Para ela, os juros elevados já contribuem para frear a inflação, principalmente de produtos industrializados de alto valor, como automóveis e eletrodomésticos, que dependem de crédito. Há dúvidas, no entanto, sobre o efeito dos gastos do governo sobre a demanda nos próximos anos.
“Os próximos dados que vão ser divulgados em termos de inflação tendem a ser mais positivos, porque o processo de desinflação está em curso. Mas é um processo que acontece a passos lentos e às vezes tem repiques”, afirma Argenta.
Para medir o efeito da política monetária sobre a economia, os economistas utilizam a taxa real de juros ex-ante, “olhando para a frente”, o que reflete melhor o custo de tomar um crédito, por exemplo. Outra forma de calcular a taxa real é “olhando para trás” (ex-post), pela diferença dos juros e da inflação nos últimos meses, dado que é mais utilizado na avaliação de investimentos já realizados.
Levantamento do Portal MoneYou e da Infinity Asset Management, divulgado no dia da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central da última quarta (22), mostrou queda na taxa real de juros, considerando o período de 12 meses à frente, de 8,16% em dezembro para 6,94% em março.
Ainda assim, o país continua com a maior taxa real do mundo, acima dos 6,05% do México, segundo colocado no ranking com 40 economias. De acordo com os responsáveis pelo ranking, desde a reunião do Copom do final de janeiro, 55% desses países elevaram suas taxas de juros, 42,5% mantiveram e 2,5% cortaram.
GLOSSÁRIO
Taxa básica de juros
A taxa Selic é a referência para os demais juros da economia. Trata-se da taxa média cobrada em negociações com títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, registradas diariamente no Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia)
Taxa real de juros
Considera uma taxa nominal, a Selic, por exemplo, descontada a inflação
Taxa real ex-ante
Calculada olhando para a frente (taxa esperada), com base nas projeções para juros e inflação. É a mais relevante para a política monetária, pois influencia decisões futuras de investimento e consumo
Taxa real ex-post
Calculada olhando para trás (taxa verificada), com base nos juros e inflação nos últimos 12 meses, por exemplo. Serve para avaliar um investimento já realizado
Taxa neutra ou taxa de juros estrutural
Aquela que mantém a inflação na meta e o crescimento do PIB igual ao seu potencial. Só pode ser obtida a partir de estimativas.
Taxa de juros real efetiva
Diferença entre a taxa real e a taxa neutra. Quando a taxa de juros real efetiva está positiva (taxa real acima da neutra), a política monetária é contracionista: contém a atividade econômica e contribui para a redução da inflação. Se for negativa (taxa real abaixo da neutra), ela impulsiona a atividade econômica e contribui para o aumento da inflação
Copom (Comitê de Política Monetária)
Órgão do Banco Central, formado pelo seu presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia, a Selic
IPCA
Indicador medido pelo IBGE que serve como meta de inflação. A meta é definida pelo Conselho Monetário Nacional, órgão que tem a participação do BC, do ministro da Fazenda ou Economia e de outros membros da equipe econômica. A meta para 2023 é de 3,25%, com limite de 4,75%. Para 2024 e 2025, a meta prevista é de 3%, com limite de 4,5%.
Eduardo Cucolo/Folhapress
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