O Ministério dos Direitos Humanos retomará ações de proteção aos defensores de direitos humanos desmontadas durante o governo Jair Bolsonaro (PL), afirma Nilmário Miranda, assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade.
“O retrocesso começou no governo Temer, mas foi desmoronado com Bolsonaro”, diz.
Nilmário foi ministro dos Direitos Humanos durante o primeiro governo Lula (PT) e ajudou a criar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Ele afirma que durante a gestão anterior as ações do órgão foram desarticuladas e faltava orçamento.
“O Estado foi omisso e não cumpriu as suas obrigações. Quando digo o Estado brasileiro estou falando de um governo específico.”
Em março, o ministério realizou uma reunião com representantes da sociedade civil para apresentar ações que a pasta pretende assumir nos próximos anos.
Na ocasião, foram discutidas também medidas de reparação que o Estado brasileiro precisa cumprir após a Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabilizar o país pela violação dos direitos de Gabriel Sales Pimenta.
Em 1982, aos 27 anos, ele foi assassinado por causa de sua atuação em defesa dos direitos humanos. Sales Pimenta era advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá, no Pará, e defendia ações judiciais contra latifundiários.
Foram mais de 20 anos tramitando na Justiça brasileira sem uma resposta até o crime prescrever. O caso, então, chegou à Corte Interamericana após uma denúncia feita pelo Cejil (Centro Pela Justiça e o Direito Internacional) em parceria com a CPT (Comissão Pastoral da Terra), em 2006.
A corte apresentou a sentença em outubro do ano passado. A partir de então, o país tem um ano para cumprir uma série de iniciativas, que serão monitoradas pelo órgão internacional.
No documento, a corte determinou ao Brasil a adoção de medidas específicas do caso, mas também a necessidade de se criar mecanismos para prevenir crimes contra defensores de direitos humanos, além de protocolos para atuar em casos de violência.
“Concordamos com o teor da sentença e das recomendações. Nós estamos dispostos a cumprir não só porque o tribunal decidiu e nós aceitamos a jurisdição, mas achamos que essas ações podem contribuir para o avanço do Brasil”, afirma Nilmário.
Entre as ações que o ministério pretende implementar está a criação de um grupo de trabalho com membros do governo, sociedade civil e a esfera pública, como Ministério Público e Defensoria Pública.
Nilmário cita como exemplos de organizações da sociedade civil a CPT e a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Há também demandas vinculadas o caso, como o pagamento de indenização à família, um ato público de reconhecimento da sociedade internacional e criação de centros de memória. “O ministério já está estudando isso, o que fazer, onde fazer”, diz.
Para José Batista Gonçalves Afonso, membro da coordenação nacional da CPT, que esteve presente na reunião com o ministério, a sentença tem um peso político e simbólico importante, pois a decisão impõe uma série de obrigações ao governo federal, como adoção de políticas públicas de enfrentamento à impunidade em casos de violações dos direitos humanos.
Segundo Afonso, houve uma decisão política do governo Bolsonaro de descumprir as recomendações da Corte Interamericana.
“Não tivemos portas abertas para discutir essas questões voltadas às políticas de direitos humanos”, afirma. Mas, agora, a CPT avalia o posicionamento do ministério com um passo importante, que precisa ser monitorado.
Para além do caso Sales Pimenta, a pasta pretende adequar os mecanismos já existentes para incluir comunicadores e ambientalistas nas ações de proteção aos defensores de direitos humanos. “Isso é novo e é bom. É o caso do crime contra Dom Phillips e Bruno [Pereira], que veio à tona”, afirma Nilmário.
O governo quer também criar um mecanismo que permita a reabertura de processos judiciais. Segundo o assessor, só no campo brasileiro há cerca de 900 crimes contra defensores dos direitos humanos sem resolução na Justiça.
“Há uma total impunidade, inclusive, prescrição, porque esses camponeses e defensores não têm meios de acompanhar a sentença e pressionar o Judiciário.”
De acordo com Nilmário, essa é a prioridade do ministério. Para que a tarefa seja cumprida é preciso que haja consenso entre STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Além dessas ações, o ministério também decidiu reconduzir ao cargo antigos integrantes da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, extinta pelo governo Bolsonaro em 2022. A procuradora federal Eugênia Gonzaga, destituída da presidência do colegiado em 2019, deve voltar ao posto, como a Folha revelou.
O Ministério dos Direitos Humanos também recompôs a Comissão de Anistia da Ditadura Militar, que o governo do ex-presidente havia paralisado.
Na primeira sessão da comissão, às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964, esteve em pauta a revisão de julgamentos realizados na gestão de Damares Alves no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que tiveram pedidos de anistia negados em decisões consideradas injustas.
A sessão marcou o reinício dos trabalhos do grupo e foi repleta de críticas à gestão bolsonarista —que aparelhou o grupo com militares e apoiadores do regime ditatorial.
Priscila Camazano / Folha de São Paulo
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