Bancos públicos ultrapassam privados na concessão de crédito pela 1ª vez desde 2016

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Foto: Marcelo Camargo/Arquivo/Agência Brasil.

O crescimento da carteira de crédito dos bancos públicos ultrapassou neste ano o ritmo dos privados pela primeira vez desde 2016. Para analistas, a estratégia de estímulo ao crescimento via instituições estatais pode dificultar o início do corte de juros pelo Banco Central (BC).

A expansão da carteira de crédito dos bancos públicos foi de 13,78% nos 12 meses encerrados em março, contra 10,89% dos privados de controle nacional (ou seja, sem considerar instituições de natureza estrangeira como o Santander), segundo os dados mais recentes da autoridade monetária.

A última vez em que os bancos sob controle estatal haviam registrado um crescimento acima dos privados na janela de um ano foi em julho de 2016 —de 2,8% e 2,2%, respectivamente.

Analistas de mercado assinalam que, embora o resultado tenha sido alcançado durante os primeiros meses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a maior parte do período considerado na janela de comparação corresponde à gestão do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).

“O intervalo de 12 meses até março abarca um bom período do governo anterior, que também já vinha nessa toada de incentivar a economia, que estava patinando”, afirma João Frota Salles, analista da Senso Investimentos.

Analista da Austin Rating, Luis Miguel Santacreu acrescenta que o período analisado de três meses do governo petista ainda é muito curto para cravar que a expansão das carteiras dos bancos públicos se deveu à adoção de uma política voltada à expansão monetária.

“Pela curta janela de atuação do novo governo, acredito que ainda não é possível afirmar que essa maior expansão dos bancos públicos se deve a ele”, concorda Christopher Galvão, analista da Nord Research.

Galvão afirma que o ritmo de crescimento dos bancos públicos começou a aumentar ainda em meados de 2022, como provável reflexo da alta da Selic, uma vez que eles têm uma atuação maior no crédito direcionado, voltado para linhas como agronegócio e habitação, que sente menos o efeito do aumento dos juros do que as linhas de crédito livre.

Os dados do BC mostram que, nos 12 meses encerrados em março, o saldo do crédito direcionado registrou expansão de 14,2%, enquanto o livre cresceu 10,5%.

“A gente percebe nitidamente que tem tido um aumento maior do crédito direcionado”, diz Santacreu, acrescentando que BB (Banco do Brasil) e Caixa são conhecidos no mercado pela atuação destacada em linhas de crédito para o agronegócio e o mercado imobiliário.

No caso do BB, que divulga os dados de janeiro a março no dia 15, a expectativa dos analistas é de uma forte expansão do lucro no período, impulsionado em boa medida pela carteira agro.

Os números do banco público poderão servir como uma primeira sinalização das reais intenções do governo de se valer das instituições financeiras estatais para estimular o crescimento econômico, diz Salles.

Ele afirma que os resultados do BB têm potencial para alimentar o debate sobre a condução da política monetária pelo BC, já que sinais de uma política creditícia expansionista podem dificultar o início do ciclo de corte dos juros defendido pelo presidente da República.

“Se há uma desancoragem das expectativas [de inflação], uma postura mais ‘hawkish’ [pró-aperto monetário] do BC, o governo indo contra esta estratégia só gera descasamento [entre política fiscal e monetária]”, afirma Julio Hegedus Netto, economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management.

Ele diz que não descarta uma espécie de “remake” dos anos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando o governo optou por estimular a demanda de forma artificial. “Os bancos públicos podem ganhar participação de mercado, mas, de forma concreta, não observamos uma demanda mais forte.”

Galvão, da Nord, afirma que sinalizações recentes do governo já indicaram o uso de políticas parafiscais para estimular a economia por meio da oferta de crédito subsidiado pelos bancos públicos.

Em declarações no início de março, Lula afirmou que vai lançar um programa para que os bancos públicos e de desenvolvimento sejam usados para a promoção de investimentos, gerando empregos e contribuindo para um melhor desempenho da economia.

Os bancos públicos “vão voltar a investir dinheiro para gerar emprego, gerar desenvolvimento e gerar a distribuição de renda efetiva para esse país”, afirmou o presidente na ocasião.

A depender da magnitude dessa atuação, é uma situação que pode causar distorções no mercado de crédito, diz o analista da Nord.

Galvão afirma que, na ata do Copom (Comitê de Política Monetária) divulgada nesta terça-feira (9), o colegiado destaca que o uso de políticas parafiscais tende a elevar o juro neutro da economia, que é aquele que estimula o crescimento sem causar inflação.

“É importante que a política fiscal e monetária atue na mesma direção para controlar a inflação. As sinalizações [do governo] até o momento não corroboram muito essa visão.”

Procurados, Caixa e BB não comentaram por estarem em período de silêncio antes da divulgação dos resultados do primeiro trimestre, previstos para os próximos dias 11 e 15, respectivamente.

BANCOS PRIVADOS APERTAM FREIO DIANTE DE JUROS E INADIMPLÊNCIA
Salles, da Senso, afirma que, no caso dos privados, a alta dos juros, com a Selic em 13,75% ao ano, e o consequente avanço da inadimplência, fez com que eles apertassem o freio na concessão do crédito.

Episódios envolvendo grandes empresas, como Americanas e Light, também acenderam o alerta entre os bancos, diz o especialista. “Com a taxa de juros permanecendo elevada, os bancos privados vão continuar sendo comedidos e muito cautelosos.”

O analista da Senso afirma também que, nos resultados do primeiro trimestre, já foi possível identificar uma queda no ritmo de expansão dos bancos privados, com aumento nos níveis de provisionamento para possíveis calotes.

Ao comentar os resultados do primeiro trimestre em conversa com jornalistas, o presidente do Bradesco afirmou que a inadimplência deve seguir em alta e que o momento ainda exige uma postura cautelosa do banco na concessão de crédito.

Já o presidente do Itaú afirmou que o crescimento da carteira de crédito no período refletiu uma postura mais cautelosa por parte do banco, assim como uma menor procura das empresas.

“A gente continua sendo bastante cauteloso, mas não é só uma questão de oferta do banco. Muito pelo contrário. A demanda tem caído e temos percebido em vários segmentos uma redução importante, sobretudo nas empresas”, afirmou Milton Maluhy Filho.

Lucas Bombana/Folhapress

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