Mais de três anos após ser suspensa pelo ministro Luiz Fux, a instalação do juiz das garantias está prevista para ser levada a julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) a partir desta semana, com perspectiva favorável ao modelo.
O juiz das garantias determina a divisão da responsabilidade de processos criminais entre dois juízes: um autoriza diligências da investigação e o outro julga o réu.
Relator do caso, Fux liberou as ações que tratam do tema para julgamento após o Supremo aprovar uma mudança em suas regras internas, que submete decisões como a da suspensão do modelo à análise dos outros ministros.
Antes, a intenção do ministro era a de que o Congresso decidisse sobre a medida ao aprovar um Novo Código de Processo Penal, sem ser necessário um julgamento do STF, mas isso ainda não aconteceu.
A presidente do tribunal, ministra Rosa Weber, pautou a análise das ações para esta quarta-feira (24), mas é provável que o início do julgamento sofra atrasos —ainda está pendente de conclusão o julgamento do ex-presidente Fernando Collor e pode ser que, antes, o tribunal retome discussão sobre descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.
A expectativa de interlocutores dos ministros é que Fux apresente um voto contrário ao modelo de juiz das garantias aprovado pelo Congresso em 2019 e que sofre resistência das entidades de classes de magistrados.
O relator tem um histórico de atuação no STF favorável às demandas classistas, e o modelo proposto do juiz das garantias tem levantado uma série de queixas tanto das entidades como dos tribunais.
No entanto, a maioria do Supremo tem a tendência a se manifestar de forma favorável ao juiz das garantias, com possibilidade de propor uma modulação para que a medida seja implantada gradualmente ou após um período de tempo que permita aos tribunais se preparem para a mudança.
Isso atenderia às demandas das cortes.
O desembargador Ricardo Anafe, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do Brasil, informou à Folha que o tribunal não está preparado para implantar o juiz das garantias e que seria necessário um ano para que o modelo pudesse ser adotado.
Ele não comentou sobre a ação que tramita no STF.
O juiz das garantias foi aprovado no fim de 2019 e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após a sanção, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, adiou a implementação da medida por seis meses e criou parâmetros para a mudança. Tudo isso foi suspenso em janeiro de 2020 por Fux, que é o relator dos processos. À época, ele também suspendeu a instalação do modelo.
Procurada, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), autora de uma das ações que questionam o juiz das garantias, diz que o projeto pode trazer impactos negativos ao sistema de justiça.
Para a entidade, o Judiciário não tem estrutura necessária para instalar o juiz das garantias em todas as comarcas do país, por falta de magistrados.
A AMB também afirma, em nota, que a implementação trará insegurança jurídica por falta de clareza dos procedimentos e na prestação jurisdicional, porque ampliará as atribuições dos magistrados e trará sobrecarga de trabalho.
Argumenta ainda que investigações serão engessadas e prejudicadas devido à falta de juízes suficientes para desempenhar essa função e julgar ações penais.
Em memoriais apresentados nas ações junto à Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), a AMB diz que é contra o modelo criado pela lei federal, e não contra a existência do juiz das garantias. “A inconstitucionalidade é da forma adotada pelo legislador que torna sem eficácia os modelos diversos já instituídos (como o do Dipo em SP)”, diz o memorial.
O Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), setor que atua na capital paulista, funciona de forma similar ao instituto do juiz das garantias. Nele, 13 juízes cuidam de aproximadamente 85 mil inquéritos.
O departamento foi criado em 1984 e cuida de toda a parte da investigação. Depois do oferecimento da denúncia, os casos são enviados para as varas criminais, que a aceitam ou não.
Segundo as associações, o modelo paulista é incompatível com a proposta aprovada pelo Congresso, e ficaria sob risco.
A OAB, que é uma das partes interessadas no processo, discorda dos argumentos das entidades e tem defendido que o juiz das garantias seja logo instalado.
“A implementação do juiz das garantias é um avanço civilizatório, reformulará positivamente a sistemática do processo penal brasileiro, efetivando o direto de defesa e reforçando a necessária imparcialidade da Justiça”, diz à Folha o presidente da OAB nacional, Beto Simonetti.
“O modelo ficou em discussão por três anos, tempo suficiente para que Supremo e sociedade amadurecessem o tema por meio de audiências e debates.”
Defensores do juiz das garantias dizem que a proposta dará mais imparcialidade aos julgamentos.
A aprovação se deu na esteira da revelação de mensagens que sugeriam a colaboração entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e o então magistrado Sergio Moro.
Moro sempre se manifestou contra a medida.
Para ele, haveria acúmulo de trabalho para os magistrados. Parecer do Ministério da Justiça durante a sua gestão também afirmou que o instituto “dificulta ou inviabiliza a elucidação de casos complexos, como crimes de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e delitos contra o sistema financeiro”.
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Entenda o que é o juiz das garantias, aprovado pelo Congresso e sob análise do STF
Prestes a ser julgado no STF (Supremo Tribunal Federal), o instituto do juiz das garantias divide a condução dos processos criminais entre dois magistrados. Um deles é responsável pela fase da investigação, enquanto o outro se encarrega do julgamento.
O objetivo, dizem defensores da proposta, é dar mais imparcialidade aos julgamentos. Os críticos dizem que a medida pode resultar em acúmulo de trabalho para magistrados e dificultar a elucidação de casos complexos, que requeiram especialização do magistrado.
O juiz das garantias foi aprovado no Congresso no fim de 2019 e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após a sanção, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, adiou a implementação da medida por seis meses e criou parâmetros para a mudança. Tudo isso foi suspenso em janeiro de 2020 pelo ministro Luiz Fux, que é o relator dos processos. À época, ele também suspendeu a instalação do modelo.
Abaixo, entenda o que se sabe sobre a implementação do instituto.
O que faz o juiz das garantias?
É o magistrado que fica responsável pela fase de investigação. A ele caberá decretar e prorrogar prisão preventiva, decidir sobre quebra de sigilo, busca e apreensão e interceptação telefônica e questões ligadas à obtenção de provas. Também é o juiz das garantias que decide se aceita a denúncia (elaborada pelo Ministério Público) ou a queixa-crime (no caso de ações penais privadas).
A partir do recebimento da denúncia ou queixa, o caso passa para outro magistrado, o juiz da instrução e julgamento. Ele será responsável pelas etapas seguintes (ouvir testemunhas, por exemplo) e pela sentença.
Quando esse instituto entraria em vigor?
Antes de ser suspensa pelo STF, a lei previa que o juiz das garantias passasse a valer já no dia 23 de janeiro de 2020.
Seria preciso contratar novos magistrados?
Defensores da medida afirmam que é possível redistribuir os trabalhos nas comarcas maiores, sem necessidade de novas contratações. É o que defende Toffoli, por exemplo.
Já críticos do instituto afirmam que a redistribuição não seria tão simples e que a medida deve gerar sobrecarga aos magistrados. Assim, seria preciso contratar juízes, o que demanda novos custos.
E o que aconteceria nas comarcas com só um magistrado?
Segundo levantamento do CNJ, ao menos uma a cada cinco varas tem só um juiz. Nesses casos, uma possibilidade seria a redistribuição do trabalho entre juízes de comarcas vizinhas.
O que dizem os que defendem a medida?
Afirmam que o juiz das garantias ajuda a garantir a imparcialidade na condução do processo e protege as garantias do indivíduo e o direito à defesa.
E os que são contra?
Um dos principais argumentos é o acúmulo de trabalho e a eventual necessidade de novas contratações.
O que acontece com os processos que já estão em tramitação?
A decisão de Toffoli, até agora suspensa, previa que, nas ações penais já instauradas no momento em que o instituto estivesse implementado, ou seja, as que já tivessem a denúncia recebida, o juiz responsável continuaria à frente do caso, mesmo que tivesse atuado na fase de investigação.
Já no caso das investigações em curso no momento em que o instituto estiver efetivado, o juiz que assumirá o caso após o recebimento da denúncia será diferente do que supervisionou o inquérito.
Haverá juiz das garantias em todos os casos penais?
A decisão de Toffoli, hoje suspensa, previa que o instituto não seria aplicado em casos do Tribunal do Júri (que julga crimes dolosos contra a vida, como homicídio) nem naqueles relativos à Lei Maria da Penha. A justificativa é que essas ações seguem ritos próprios.
Também não haveria juiz das garantias em ações penais da Justiça Eleitoral e em processos originários (que se iniciam) nos TJs (tribunais de Justiça dos estados), TRFs (Tribunais Regionais Federais), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF.
Processos originários em tribunais são aqueles que envolvem réus com foro especial por prerrogativa de função, como governadores no STJ e deputados no STF. Pela decisão de Toffoli, o juiz das garantias só funcionaria nos processos que começam na primeira instância.
Há modelos semelhantes ao do juiz das garantias já em operação nos tribunais do país?
O mais conhecido é o Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), que funciona na cidade de São Paulo desde 1984. São 13 juízes, que cuidam de cerca de 85 mil inquéritos. No departamento, os juízes são responsáveis apenas pela etapa de investigação e obtenção de provas. Quando o Ministério Público apresenta a denúncia, o caso é repassado para as varas criminais.
Há diferenças entre a figura dos juiz das garantias e o que já faz o Dipo?
Não são os magistrados do Dipo que decidem se aceitam a denúncia —isso é papel dos juízes das varas criminais. Essa tarefa, contudo, caberá ao juiz das garantias.
Houve planos de expandir o modelo do Dipo para o restante de SP?
Sim. Lei estadual promulgada no fim de 2018 prevê a criação de outros Dipo nas dez regiões administrativas judiciárias de São Paulo. A legislação não estabelece prazo para que a medida seja efetivada.
Folha de São Paulo/Foto: José Cruz/Agência Brasil/Arquivo
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