Embora não admitam publicamente, alas do governo Lula (PT) dizem não acreditar que a regulação da internet discutida no projeto de lei nº 2.630, o PL das Fake News, será aprovada no curto prazo e já investem em um plano B.
A principal preocupação é aprovar até outubro deste ano regras para campanha eleitoral digital, para que elas possam valer nas eleições municipais de 2024. Pelo princípio da anualidade, para vigorarem no pleito, as mudanças precisam ser aprovadas no mínimo um ano antes.
O governo começa a se articular para emplacar suas prioridades em uma minirreforma eleitoral a ser votada no Congresso Nacional. Entre os pontos, estariam aspectos da resolução de “poder de polícia” do ministro Alexandre de Moraes, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de 20 de outubro do ano passado: prazos menores e multas maiores para plataformas removerem determinados conteúdos nos períodos imediatamente antes e depois da eleição e a proibição de propaganda eleitoral on-line no período.
Além disso, o governo gostaria de incluir a necessidade de as big techs manterem bibliotecas de anúncios políticos em tempo real, com maior transparência.
Na visão de uma ala do Planalto, será mais fácil aprovar uma minirreforma eleitoral do que o novo Código Eleitoral. O projeto sofre muita resistência no Congresso com dois pontos muito polêmicos —o afrouxamento das regras de prestação de contas dos candidatos e a redução do poder da Justiça Eleitoral de regulamentar as eleições.
Além do front eleitoral, a ideia é usar cada vez mais a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) do Ministério da Justiça para enquadrar as plataformas enquanto não se aprova regulação no Legislativo.
Na esteira dos ataques contra escolas, a Senacon baixou uma portaria, em 12 de abril, que previa suspensão das atividades no Brasil das redes sociais que não tomarem medidas para combater conteúdos que fazem apologia de violência e ameaças. A portaria do Ministério da Justiça previa ainda multas de até R$ 12 milhões para as empresas que não seguirem a nova regulamentação sobre o tema.
A Senacon também abriu procedimentos de averiguação preliminar das plataformas Google, Meta/Facebook, TikTok, Twitter e Kwai, no dia 13 de abril, e do Telegram em 20 de abril. As plataformas enviaram informações, que estão sob análise. Os processos podem resultar em termos de ajustamento de conduta com determinações para mudanças nas políticas das plataformas.
Em 2022, ainda no governo Bolsonaro, a secretaria havia instaurado um processo administrativo contra o TikTok, com determinação de remoções de conteúdos nocivos à segurança de crianças e adolescentes na plataforma. O ministério negocia um termo de ajustamento de conduta com a plataforma.
Segundo o secretário da pasta, Wadih Damous, muitas das violações no mundo digital envolvem relações claras de consumo entre as plataformas e os usuários, e é natural que a secretaria atue de forma mais frequente. Isso se aplicaria tanto a propaganda enganosa veiculada em plataformas, como conteúdo nocivo a crianças e incitação à violência.
A ideia é firmar TACs com todas as plataformas, segundo a Senacon. “Vamos acelerar o uso desse instrumento, queremos negociar boas práticas com as plataformas”, diz Damous.
O governo aguarda também a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre dois recursos extraordinários, que pode levar à flexibilização do Marco Civil da Internet. A decisão estava marcada para junho, mas foi adiada.
Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo, acha temerário tentar aprovar uma minirreforma eleitoral neste momento.
“Não houve nenhuma discussão sobre isso, não há comissões, e toda vez que temos essa situação acabamos surpreendidos por um projeto de lei feito às pressas, às vésperas do fim do prazo, com mudanças muito ruins, afrouxando controles”, diz.
Ele diz acreditar que as resoluções do TSE do ano passado podem ser consolidadas no final do ano e valer para 2024.
O relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), deve emitir um novo relatório da proposta nas próximas semanas ou depois do recesso parlamentar. Mas um ponto continua em aberto – o órgão regulador.
Alas do MDB, PSD e da bancada evangélica defendem que a Anatel seja o órgão encarregado de monitorar e fazer cumprir as novas regras para as plataformas de internet. Conquistar o apoio desses grupos seria importante.
Organizações da sociedade civil e parte do governo, no entanto, se opõem à escolha da agência, que consideram “capturada” pelos interesses das grandes empresas de telecomunicação e de parlamentares.
A votação do projeto foi adiada em abril porque Orlando e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), calcularam que não teriam votos suficientes.
Patrícia Campos Mello/Folhapress/Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação/Arquivo
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