‘Maior comunicador da Bahia’: Varela nacionalizou marca e fez história na TV baiana

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Seja pelas fortes batidas de mão na mesa, pelo braço erguido com um cartão – verde ou vermelho – em punho ou por uma fala contundente direcionada a um político ou problema, quem se ocupou de ver o noticiário na Bahia desde 1981 não vai falhar em lembrar de Raimundo Varela O apresentador e radialista, que faleceu na manhã de quinta-feira (7) aos 75 anos, deixou gestos e falas que marcaram quem o ouvia pela manhã na rádio ou o assistia ao vivo na televisão quando era meio-dia.

Afinal, só ‘Seu Valera’, como era chamado por muitos dos baianos, era capaz de cunhar expressões nada usuais como ‘bostéticos’ e ‘canalhocratas’ e largar um ‘me deixe, viu’ em um programa jornalístico. As falas, inclusive, dão o tom de um comunicador cheio de vigor, força e coragem para dizer o que pensava nos estúdios. Nos últimos anos, a partir da pandemia, Varela trocou as dependências da TV Itapoan pela própria casa e a força pela sutileza em suas aparições nos programas da emissora.

É isso o que conta Pedro Sento Sé, que chegou na emissora em 2017 e dividiu muito de seu tempo com Varela. Depois da chegada da covid-19, porém, ele só teve contato à distância com quem considera um professor. “Talvez, [a pandemia] tenha feito a ‘aposentadoria’ dele ser precoce. Entre aspas porque ele trabalhava de casa na TV e na Rádio, mas não tinha como estar aqui. Fazia o programa de casa, mas, infelizmente, não era a mesma coisa”, explica o apresentador.

Nas últimas aparições de Varela de sua residência no Balanço Geral, ficava perceptível que não era mais possível bater na mesa com força e nem mesmo erguer o cartão como fazia tão bem. Ainda que com participações curtas e intermediadas por outros apresentadores, notava-se problemas na fala do radialista que, mesmo assim, seguiu no ar até o momento em que sua saúde lhe permitiu. Pessoas próximas acreditam que a falta de rotina em casa possa ter debilitado sua saúde.

O apresentador era bi transplantado. No ano de 2006, teve problemas de saúde que causaram uma crise renal e diabetes. Na época, quando estava internado no Hospital Aliança, teve a transferência recomendada e foi levado às pressas para São Paulo, onde precisou realizar o transplante tanto do fígado como dos rins. Se afastou por um período das atividades no rádio e na televisão, mas retornou.

Balanço Geral e o jornalismo popular

Antes disso, Raimundo Varela colocou seu nome na história da TV baiana. É dele a ideia do Balanço Geral, que é um programa consagrado na Bahia e foi levado pela Record para as afiliadas da emissora nos quatro cantos do país. Ali, Varela funda um jornalismo popular que, até hoje, é marca da Record e também de outras emissoras que, de uma forma ou de outra, beberam da fonte que foi a ideia dele. Isso, aliado ao seu estilo, faz José Eduardo, também apresentador da Record, ser categórico ao colocar Varela como uma figura inigualável.

“Ele é insubstituível. Nunca quis levar a fama do ‘cara que vai substituir Varela’ porque isso não vai existir nunca. Ele é único e, para mim, o maior da história da comunicação baiana, o maior comunicador da Bahia. Vai começar agora uma nova história e eu estou aí, mas a que marcou chama-se Raimundo Varela”, afirma.

José Eduardo diz que traz muito em seu estilo do que viu em Varela e, ao comentar as críticas à forma como os dois passam informações, defende o jeito que trabalham. “A nossa linguagem é, às vezes, muito dura e cruel, mas traz um grito de liberdade. [..] O jeito dele falar é muito parecido com meu e o meu com o dele. Falam que é uma forma popularesca, sensacionalista. Mas é o nosso jeito. Não sei fazer pão de ló com caviar e sim o feijão com carne seca, a gente se parecia muito por isso”, completa.

Pedro Sento Sé lembra que Varela sempre destacava que o trabalho do jornalista era se colocar como a ‘ouvidoria do povo’ e que o sucesso de Varela está justamente situado em ser uma pessoa que vinha do povo, nascido em Itabuna e criado no Subúrbio Ferroviário de Salvador, e que entendia o que era importante para a população.

“Varela foi um grande professor, uma referência para lidar com esporte, cidade, política e, principalmente, com o povo. Varela é a representação do nosso povo, sabia das mazelas e como precisavam ser representados. Dava voz ao povo e também os fazia falar. Ninguém melhor para representar o povo dessa terra do que ele, que era um grande ‘advogado’ das pessoas da Bahia”, fala o apresentador, também destacando o comunicador.

Varela não se formou em uma universidade de jornalismo, mas se tornou um profissional na prática das experiências que teve ao longo dos anos. Por isso, a Associação Baiana de Imprensa (ABI) emitiu nota de pesar sobre o falecimento do comunicador e ofereceu seus sentimentos a familiares, amigos e pessoas que acompanhavam a longeva carreira do apresentador na rádio e na televisão

“Ícone da comunicação – trabalhou por mais de 40 anos no segmento – Varela marcou uma era, sendo inspiração para inúmeras gerações de radialistas e âncoras de programas de televisão. Seus bordões “cartão vermelho” (para assuntos negativos) e “cartão verde” (notícias positivas) fazem parte da história da TV e foram incorporados ao cotidiano da população”, escreve a ABI.

Simpatia em pessoa

Além do carinho dos apresentadores de quem era colega, Varela tem também a admiração de quem o acompanhou ainda mais de perto, mais precisamente atrás das câmeras que o filmavam. Ubiraci Calmon é cinegrafista e trabalhou com o radialista por cerca de 25 anos. Ao falar do apresentador, ele destaca a sinceridade de Varela no tratamento de todos ao seu redor.

“No momento que precisava chamar a atenção, falava de forma sincera e era direto. Depois do alerta, já estava brincando, sendo simpático e satisfeito com a gente. Era um grande jornalista, sabia como improvisar e facilitava o nosso trabalho. Ele é um exemplo, uma pessoa fantástica. É um prazer enorme poder ter trabalhado com ele”, conta Ubiraci.

Na época em que começou a trabalhar com o apresentador, Ubiraci foi cinegrafista do programa Lance Livre, programa esportivo da década de 1990 na TV Record. Varela, inclusive, começou na emissora pelo esporte, tendo apresentado antes disso programas como o Papo de Bola e Telesporte. Antes de falar de futebol, ele foi jogador e teve passagens pelo Leônico e também pelo Ypiranga, clube pelo qual dizia torcer. Há quem diga, porém, que o apresentador sempre torceu pelo Bahia.

Já na TV, todos que passaram tempo com ele são unânimes ao elogiar o apresentador. Jackson Carvalho, cinegrafista que trabalhou com Varela por dez anos, destaca o fato dele tratar com gentileza e bom humor todas as pessoas da emissora. Segundo ele, não havia diferença no tratamento relacionada às funções que cada um ocupasse.

“Sentava com a gente no estúdio para brincar e dar risada. Conversava sobre política, sobre a carreira de futebol dele. Aprendi demais com a pessoa e o profissional. Fora do programa, era uma pessoa simpática e que nos alegrava. Quando chegava no programa, incorporava o profissionalismo e fazia tudo muito bem. Era uma coisa que eu admirava demais”, lembra Jackson.

O pai Varela

Além de apresentador, radialista e ícone da comunicação, Raimundo Varela também foi pai. Ao todo, teve sete filhos de quatro relacionamentos diferentes. Destes, seis moram em Salvador e um em São Paulo, segundo Gel Varella, 55 anos, filho do primeiro casamento. Segundo ele, o apresentador era extremamente dedicado ao trabalho, conta o filho. “Deixou de viver muitas coisas para se dedicar ao trabalho”, lembra, dizendo que isso às vezes gerava mágoas na família.

“A vida dele era isso, a TV Itapoan tem a alma de meu pai grudada nas paredes. Muitos anos lá, na Rádio Sociedade”. Apesar de citar esse apego exagerado ao trabalho , Gel considera que problemas assim são normais em família e elogia o apresentador como pai.

“Eu agradeço o pai que tive”. Gel, que tem uma forte semelhança com Varela, diz que costuma ser abordado por pessoas que elogiam Varela. “Sou músico, professor, palestrante, ando Salvador inteiro e as pessoas têm um carinho grande por ele”, diz.

Envolvido desde cedo com esporte, Varela era torcedor do Bahia “mas ficava fingindo que era Ipiranga”, conta o filho. “Quando era pequeno ele me botava no pescoço e a gente ia ver jogo na Fonte Nova”, lembra. Depois que ele passou a se envolver com futebol, isso mudou e ele adotou o Ipiranga. “Um time que não vai ter opositor”, ri Gel.

Além do apartamento onde vivia em Salvador, Varela mantinha uma casa na Ilha de Itaparica, onde costumava encontrar o filho. Ele tinha uma lancha e gostava da travessia. “Mas sempre muito reservado”, acrescenta Gel.

Políticos lamentam

O prefeito de Salvador, Bruno Reis, que participou do desfile da independência do Brasil, na Praça do Campo Grande, lamentou a morte do eterno apresentador da Record TV Bahia.”Varela marcou época na TV e no rádio com seu jeito muito peculiar, com as batidas na mesa e os cartões que dava às autoridades. Acordar e ouvir Varela no rádio era quase uma tradição durante minha juventude. Lamento profundamente a partida deste gigante da comunicação da Bahia, que sem dúvidas deixa um legado imenso”, disse.

Além do gestor municipal, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, também comentou sobre a partida do jornalista que deixou um legado na comunicação baiana. “Varela se vai, mas deixa como legado um jornalismo livre e popular. Meus sentimentos à família, aos amigos e ao público que o acompanhou por tantos anos”, escreveu no Twitter.

O ex-governador, Rui Costa, acordou com a notícia da partida de Varela, e deixou um recado singelo para os familiares: “Com tristeza, recebi a notícia da partida do radialista e apresentador Raimundo Varela, que levou informação para gerações de baianas e baianos no rádio e na TV”.

Outro político que também lamentou a morte de Raimundo foi Jaques Wagner. Na rede social, ele comentou que a Bahia se despediu de um ícone do jornalismo baiano, “que se tornou uma referência por seu estilo firme e popular de informar na rádio e na TV, marcando muitas gerações”.

Correio/ Record TV

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