Reforma Tributária trata ambiente como pilar, mas beneficia emissores de carbono

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A Reforma Tributária aprovada no Senado na semana passada estende benefícios aos principais emissores de gases de efeito estufa do país e põe em contradição trecho do texto que trata o ambiente como pilar do sistema.

A proposta voltou à Câmara nesta terça-feira (14), onde sofrerá mais ajustes. Entre os beneficiados estão o agronegócio, que corresponde por 74% dos gases de efeito estufa no país, montadoras de veículos movidos à combustão e o setor de aviação.

Tais exceções, apesar de consideradas essenciais economicamente por parte dos especialistas, devem atrasar a transição energética no Brasil, uma vez que as isenções ou alíquotas diferenciadas passarão a fazer parte da Constituição —o que dificulta possíveis alterações.

Ainda quando o texto estava na Câmara, os deputados decidiram acrescentar a defesa ambiental entre os pilares do sistema tributário brasileiro.

A redação aprovada no Senado diz que “o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e da defesa do meio ambiente”.

Tributaristas e ambientalistas consideram o trecho o maior avanço ambiental da reforma. Isso porque a inserção da defesa do ambiente aos princípios da regra fiscal brasileira dá base jurídica para pautas de preservação.

Eles analisam que, se a Constituição define que o sistema tributário brasileiro tem como pilar a defesa do ambiente, leis que vão em direção contrária a essa defesa podem ser consideradas inconstitucionais.

“É positivo instituir esses princípios constitucionais de preservação ambiental porque isso quer dizer que, se alguém quiser questionar a preservação ambiental de agora em diante, vai ter de questionar a Constituição”, diz Tatiana Falcão, consultora em tributação ambiental. Ela participou de discussões no Senado sobre a reforma.

Porém, os benefícios aos poluentes também estarão na Constituição se o texto assim for aprovado.

O relator da reforma no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), por exemplo, voltou atrás horas depois de apresentar o relatório e manteve a lista de setores que não poderão ser alvo do imposto seletivo —tributo criado para aqueles bens e serviços prejudiciais à saúde e ao ambiente.

Ainda no final de outubro, o parlamentar havia afirmado que retiraria do texto a lista criada na Câmara.

Entre os setores beneficiados estão os alimentos destinados ao consumo humano, o que pode englobar todos os tipos de alimento, inclusive os não saudáveis. O texto também isenta produtos e insumos agropecuários (agrotóxicos, por exemplo).

O imposto seletivo era tido por vários ambientalistas como o embrião da taxação de carbono no Brasil, mas a lista mantida por Braga pode frustrar essa possibilidade.

Na semana passada, 130 organizações da sociedade civil lançaram um manifesto contra esse dispositivo. O movimento é liderado pelo IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade).

O Senado também incluiu um limite de 1% do valor do mercado para a taxação de bens oriundos direto da extração (mineração e petróleo). O valor é irrisório, se comparado àquele que seria posto em caso de uma eventual taxação de carbono no país.

“A Reforma Tributária está eivada de contradições, sobretudo penalizando a perspectiva ambiental do país e seus compromissos ambientais. É muito preocupante porque isso é o que vai ordenar a economia política do país nas próximas décadas”, diz Marcos Woortmann, coordenador de política socioambiental do IDS.

Estende-se também às contradições ambientais da reforma a manutenção do incentivo dado às montadoras e fabricantes de veículos movidos à combustão nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Pela proposta original, a prorrogação dos incentivos até 2032 seria limitada a modelos híbridos ou 100% elétricos, mas de última hora o Senado ampliou o benefício.

A indústria automotiva defende que veículos movidos a etanol são ainda menos poluentes do que carros elétricos. A discussão, porém, é complexa, uma vez que a análise deve englobar toda a cadeia de produção desses automóveis.

Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), 84% da frota de automóveis do Brasil são carros flex, movidos a gasolina e etanol, e apenas 0,3% movidos apenas a etanol.

Gustavo Brigagão, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, concorda com a mudança feita pelos senadores.

“Você não pode dar um corte nessa produção de uma hora para outra, porque senão você pesa muito do lado da balança e surgem problemas do outro lado que são muito maiores do que aquele que você está querendo evitar. Tem de ter uma transição”, diz.

Falcão discorda. “Determinar regras específicas de creditamento para certos setores gera complexidade no sistema tributário e, portanto, não deveria ser feito via Constituição. A ânsia por proteger os interesses de certas indústrias fala mais alto do que técnica legislativa”, afirma.

No entanto, nem só de contradições ambientais há na proposta que chega agora à Câmara.

O texto, por exemplo, institui o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) ecológico, pauta antiga dos ambientalistas. Nesse caso, 5% da distribuição financeira aos municípios precisarão levar em conta indicadores de preservação ambiental criados por lei.

O texto também define que, sempre que possível, a concessão dos incentivos regionais por meio de isenções de tributos federais considerará critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.

Se a PEC for aprovada dessa forma, será a primeira vez que o termo “emissões de carbono” aparecerá na Constituição. O trecho também vale para a distribuição dos R$ 60 bilhões do Fundo Nacional do Desenvolvimento Regional.

No fim, apesar das contradições, a reforma chega à Câmara com saldo positivo, segundo analistas.

“A preocupação do Congresso Nacional com a política ambiental foi muito forte”, afirma Brigagão. Falcão complementa: “Foram trazidas bastantes questões ambientais para o bojo da Constituição e isso era muito necessário.”

O que a reforma tem de ambiental

Coloca a defesa ao ambiente como princípio do sistema tributário brasileiro
Favorece municípios que cumprirem legislações ambientais
Cria um Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas
Insere a redução de emissões de carbono na Constituição
Determina que o IPVA poderá ter alíquotas diferenciadas em função do impacto ambiental dos veículos
Quais são as contradições

Imposto seletivo não se aplica a agrotóxicos
Benefícios a produção de veículos movidos à combustão
Benefícios ao setor de aviação
Limite de imposto seletivo à extração de minério e petróleo.

Pedro Lovisi/Folhapress/Foto: Zeca Ribeiro/Arquivo/Agência Câmara

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