O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, defende a vinculação das aposentadorias e dos benefícios assistenciais ao salário mínimo e propõe aos críticos a realização de um plebiscito sobre o tema para saber a avaliação da população, boa parte dela beneficiária do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
“Se algum cidadão do planeta chamado Brasil achar que não deve pagar mais do que o aumento real mais a inflação ao aposentado, ao pensionista, faz um plebiscito. Vamos ouvir a população. Acha justo pagar o BPC [Benefício de Prestação Continuada, também vinculado ao mínimo]? Se não achar, eu recuo”, afirma em entrevista à Folha.
O ministro alerta para a necessidade de cautela nas discussões envolvendo a Previdência, tanto em relação às vinculações quanto na aprovação de novos direitos ou desonerações. Ele critica o Congresso Nacional pelo corte na alíquota de contribuição dos municípios ao INSS.
“Todo mundo quer ter mais direito da Previdência e melhorar salário, mas quer ao mesmo tempo dar isenção. Que mágica é essa? Precisamos ter mecanismos para não ter o Estado como algoz, mas que ele também não seja a vítima, a viúva eterna”, diz.
Segundo Lupi, o esforço de redução das filas de espera deve levar o INSS à marca de 40 milhões de beneficiários nos próximos meses, quase 20% da população brasileira. Ele reconhece que o resultado é uma despesa maior para o governo, mas afirma que o tema não se resume a grandes números.
“Hoje, 65% dos municípios só sobrevivem por causa do dinheiro da Previdência. Imaginar que isso é despesa é considerar o ser humano uma cadeira, uma mesa, e não é. Segundo, é o dinheiro que volta para o governo. Se o cara compra um cafezinho, tem imposto embutido, volta para o próprio governo”, afirma.
A desvinculação das aposentadorias foi defendida em maio pela ministra Simone Tebet (Planejamento) em entrevista ao jornal Valor Econômico, mas a ideia foi rejeitada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), dada a sensibilidade política do tema.
Desde então, Tebet centrou a defesa da desvinculação em outros benefícios, como BPC, abono salarial e seguro-desemprego.
Mas os gastos com a Previdência continuam no foco da equipe econômica, que almeja implementar uma agenda de revisão de gastos para conter a trajetória de crescimento desta que é a maior despesa primária do Orçamento.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê gastar R$ 917,8 bilhões com benefícios previdenciários neste ano, R$ 9,1 bilhões a mais do que o aprovado inicialmente no Orçamento. Cálculos mais conservadores da área técnica indicaram o risco de pressão adicional de mais R$ 12 bilhões, até agora não incluídos nas estimativas oficiais.
No BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, a previsão atual de gasto soma R$ 105,1 bilhões.
Dois fatores principais impulsionam essas despesas: a retomada da política de valorização do salário mínimo, com reajustes acima da inflação, e o programa de enfrentamento às filas do INSS, que amplia as concessões.
Dois terços dos benefícios da Previdência e 100% do BPC pagam o equivalente a um salário mínimo, hoje em R$ 1.412. Neste ano, o ganho foi de 3% acima da inflação —mais do que a alta real de 2,5% do limite total de gastos previsto no arcabouço fiscal.
Lupi rejeita o argumento de que o descompasso entre as duas normas pode inviabilizar a sustentabilidade do arcabouço. “A própria Fazenda [diz] ‘minha esperança é a Previdência’. E eles vão se surpreender, porque a nossa esperança está se tornando realidade antes do tempo”, afirma.
Segundo ele, há duas razões para ser otimista e esperar uma economia até maior que os R$ 9,05 bilhões incorporados até agora às projeções do Orçamento.
Em primeiro lugar, o Atestmed, plataforma digital que admite o atestado médico na concessão de auxílio-doença sem perícia presencial, reduziu a espera dos beneficiários e a duração do pagamento.
“Em vez de pagar 12 meses de benefício [incluindo o tempo da espera], estou pagando em média 90 dias. Estou economizando”, afirma Lupi.
O segundo fator é a redução da fila. Em abril, o estoque de pedidos estava em cerca de 1,4 milhão, já próximo do fluxo mensal de 1 milhão de novos pedidos. “A partir de setembro, para ser mais exato, eu zero [os atrasados]. Vou pagar o do mês. Não tendo mais atrasado, minha conta passa a ser mais econômica”, diz.
Sem tantos peritos dedicados ao auxílio-doença, o governo poderá redirecionar mão de obra para fazer a revisão de benefícios como o BPC.
Há ainda indícios de que a redução das filas gerou outros efeitos benéficos para o governo. “A judicialização está caindo”, afirma o ministro, sem ter, no entanto, os dados que comprovem essa tendência. Segundo ele, o governo ainda fará um levantamento dos números.
Apesar do otimismo nessas frentes, a Previdência também monitora com atenção o andamento de propostas no Congresso que podem conceder vantagens e privilégios a determinados grupos, com impacto nas contas do INSS.
O Legislativo aprovou no ano passado o corte na alíquota paga por municípios de até 156,2 mil habitantes. A cobrança caiu de 20% para 8%, causando uma renúncia de R$ 10,5 bilhões neste ano.
“Não é a melhor forma”, critica Lupi, para quem a melhor saída era a renegociação de débitos das prefeituras com a Previdência.
O Congresso também tem projetos que ampliam direitos de categorias. Um deles, aprovado em maio de 2023 no Senado, pretende estender a guardas municipais e outras carreiras o direito à aposentadoria especial.
Há ainda uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que cria a aposentadoria especial para agentes comunitários de saúde, categoria já beneficiada por um piso salarial a cargo da União.
No sistema previdenciário, se um grupo pode pagar menos ou se aposentar mais cedo, isso significa maior custo e menor arrecadação no futuro, acentuando o déficit atuarial e gerando pressão por novas reformas.
“A gente tem que tomar um cuidado danado com a demagogia eleitoral. Dar direito sem olhar de onde vem a fonte da receita. A Previdência Social já tem um volume grandioso, chegando a 40 milhões de brasileiros que sobrevivem graças a ela. Temos que ter aquele crescimento vegetativo que todo ano acontece, mas não podemos exagerar nisso. Porque quando exagera aí fica desequilíbrio total. Tem que ter um limite”, afirma Lupi, sem citar propostas específicas.
“Não podemos exagerar em achar que o Estado tem que ser a viúva rica que banca tudo o tempo todo. Não pode. Temos que separar o que são os privilégios daquelas que são as necessidades.”
Idiana Tomazelli/Folhapress/Foto: Valter Campanato/Arquivo/Agência Brasil