A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) protocolou na Câmara dos Deputados um pacote de projetos de lei que buscam garantir o acesso ao aborto legal no Brasil. Cabe agora ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidir o destino de cada um deles.
Bomfim lembra que, embora seja um direito previsto para vítimas de estupro, para gestantes que correm risco de vida e em casos de feto anencéfalo, o acesso ao procedimento é dificultado ou impossibilitado pela oferta insuficiente na rede pública de saúde.
A parlamentar ainda cita a ausência de políticas públicas adequadas, a falta de informação e a recusa médica como barreiras que impedem o acesso à interrupção legal da gestação.
As três propostas do “pacotaço” foram elaboradas pelo gabinete da deputada em colaboração com a antropóloga e professora da UnB (Universidade de Brasília) Debora Diniz, fundadora da Anis: Instituto de Bioética.
Um dos projetos versa sobre o “acesso pleno e irrestrito aos direitos reprodutivos de meninas, mulheres e todas as pessoas que possam gestar”.
Se aprovado, o PL determina que serviços públicos de saúde tenham profissionais qualificados e evitem qualquer situação de atraso ou recusa ao aborto legal por objeção de consciência.
Considerada um amparo ético que dá a médicos a opção de não realizar procedimentos que coloquem em xeque suas crenças, a objeção de consciência pode ser motivada por convicções morais ou religiosas, mas também pelo temor de consequências relacionadas à prática do aborto legal.
Seu uso irrestrito costuma fazer com que mulheres enfrentem um périplo até encontrar um hospital que as atendam e façam a interrupção.
“Nas unidades de saúde em que houver somente um médico e este se declarar impedido de realizar procedimento de aborto legal por objeção de consciência, a unidade de saúde deverá, imediatamente, transferi-lo para unidade que não realize tal serviço e solicitar outro profissional para essa finalidade”, diz o PL 2520, proposto por Bomfim.
Um segundo projeto de lei, de número 2521, fala sobre a obrigatoriedade de profissionais da saúde de unidades públicas e privadas de saúde informarem vítimas de estupro sobre a possibilidade de interromper a gestação.
“Fica proibido o encaminhamento da vítima de estupro a atendimento pré-natal, perinatal, parto ou maternidade sem que seja dada prévia ciência à vítima ou seu representante legal a respeito da possibilidade de realização de aborto no caso de gravidez resultante de estupro”, diz um dos artigos.
“O não cumprimento do dever de informação previsto nesta lei constitui crime de omissão de socorro, nos termos do Código Penal”, segue
O texto define que a comunicação do direito deve ser registrada no prontuário da paciente. E define que o não cumprimento do dever de informação constitui crime de omissão de socorro, nos termos do Código Penal.
“Em que pese o respaldo jurídico para realização do aborto nos casos acima referidos, não raro mulheres e crianças vítimas de estupro são direcionadas ao acompanhamento pré-natal, perinatal, parto ou maternidade —ao invés de serem adequadamente informadas sobre a possibilidade de realização do aborto”, afirma a justificativa do PL 2521.
A terceira e última proposta tipifica o crime de omissão de socorro nos casos em que ocorre o uso da objeção de consciência e não é oferecido o acesso ao aborto legal, seja em serviços públicos ou privados de saúde.
“Para efeitos desta lei, as convicções religiosa, política, ética ou moral dos profissionais médicos não se sobrepõem ao dever do atendimento à saúde e ao cumprimento de determinações legais tratando-se dos casos em que o aborto é autorizado”, diz o primeiro artigo do PL 2522.
“São nulas quaisquer resoluções de entidade de classe que corroborem o cometimento do crime de omissão de socorro a partir da invocação do dispositivo da objeção de consciência ou da negativa de utilização das melhores práticas técnicas”, segue.
Os projetos de autoria de Sâmia Bomfim só poderão tramitar após despacho de Lira, a quem cabe definir, enquanto presidente da Câmara, o direcionamento dos PLs para comissões temáticas.
No caso do PL Antiaborto por Estupro, foi aprovado um requerimento de urgência que acelerou a tramitação do texto e o habilitou a ser apreciado diretamente no plenário, sem ter que passar por comissões.
Proposto pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o PL 1904 foi apresentado em 17 de maio, mesmo dia em que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes suspendeu uma norma do CFM (Conselho Federal de Medicina) que restringia o acesso ao aborto legal no Brasil.
Já o requerimento de urgência foi protocolado em 4 de junho. Sua votação foi pautada para o dia seguinte, menos de 24 horas após sua apresentação, mas acabou sendo adiada depois que a deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) passou mal.
Ao entrar na pauta na semana seguinte, em 12 de junho, o PL 1904 foi inserido na ordem do dia por Lira e votado de forma relâmpago, em apenas 23 segundos.
Bianka Vieira/Folhapress/Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados/Arquivo