A União tem ampliado a porcentagem de casos envolvendo em temas tributários e previdenciários em que obtém vitórias na Justiça, de acordo com dados da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
O levantamento considera as principais ações nesses dois tribunais listadas pela PGFN em seus relatórios anuais. Os números foram atualizados pela Calculadora da Inflação da Folha.
Incluindo a perda evitada no julgamento sobre a revisão da vida toda do INSS neste ano, desde 2013 decisões favoráveis em julgamentos no STF (Supremo Tribunal Federal) e no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) evitaram perdas de mais de R$ 5 trilhões para os cofres públicos, de acordo com o órgão federal.
Para efeitos de comparação, se o governo tivesse perdido essas ações, isso representaria um aumento de 75% na dívida pública federal.
Em geral, as estimativas para os riscos de natureza fiscal e previdenciária são calculadas pela Receita Federal com base em valores a ressarcir no período de cinco anos para trás e na perda de arrecadação em pelo menos um ano para a frente.
Também é usual que algumas dessas contas sejam contestadas por representantes dos contribuintes, já que números maiores tendem a sensibilizar mais o Judiciário.
Nesse período, os maiores valores foram registrados em 2014, 2017 e 2020, quando foram analisadas grandes ações que tratavam de contribuição previdenciária e PIS/Cofins.
O relatório mais recente da PGFN mostra que a União venceu a maioria dos julgamentos nos últimos quatro anos, considerando os casos que servem de referência para outras ações no Judiciário —repercussão geral no STF e repetitivos no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
No ano passado, o governo obteve vitórias relevantes no caso da eficácia da coisa julgada e nas ações sobre tributação de bancos e seguradoras.
No período analisado, as derrotas para o governo foram pontuais nos dois tribunais.
Uma das maiores perdas foi o julgamento em 2021 da “Tese do Século”, que tratou da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins e já custou mais de R$ 300 bilhões para o governo. No Orçamento de 2023, o governo estimou as perdas com essa ação em R$ 533 bilhões.
MUDANÇA NOS TRIBUNAIS
Outros levantamentos também mostram uma tendência de aumento nas vitórias da União nos tribunais superiores na última década em casos tributários.
Esse movimento coincide com uma questão econômica. Nesse período, o Brasil voltou a registrar déficit nas contas públicas. Em diversas oportunidades, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) destacou a importância do Judiciário para cumprir as metas fiscais e zerar o déficit público.
Mas há também mudanças na esfera jurídica, como a chegada às cortes superiores de ministros alinhados à questão da análise econômica do direito e a nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (13.655/2018), que estabeleceu o dever de o magistrado levar em consideração as consequências práticas da decisão judicial.
Um trabalho de 2020 do juiz federal Guilherme Maines Caon mostra que, a partir de 2015, houve “um incremento quantitativo e qualitativo” na aplicação da análise econômica nas decisões do STF.
No livro “Análise Econômica do Direito: aplicação pelo Supremo Tribunal Federal”, Caon, que é presidente da associação dos juízes federais do Rio Grande do Sul, analisa o período de 1991 a 2019.
Segundo o autor, o impulso para uma utilização maior dessa análise veio do ministro Luiz Fux, com um posicionamento que tem sido adotado também por outros colegas em julgamentos relevantes desde então.
Levantamento do escritório Pinheiro Neto reforça essa tendência no Judiciário. André Torres, associado da área tributária do escritório, afirma que os números mostram que há, nos últimos dois anos, uma vitória maior do Fisco do que dos contribuintes nos grandes casos tributários.
Ele afirma que o STF está cada vez mais voltado para a análise econômica dos casos relevantes e que o STJ passou a adotar com mais frequência a modulação de efeitos em suas sentenças, de modo a reduzir o impacto financeiro das decisões.
“A gente vai despachar com os ministros, e a primeira pergunta é, ‘qual o impacto disso aqui?’. Ficar no argumento estritamente jurídico não é algo que hoje convence todo mundo”, afirma o tributarista.
Cristiane Matsumoto, sócia da área previdenciária do Pinheiro Neto, diz que é necessário mostrar que a questão econômica não afeta apenas o Fisco.
“Não basta levar os argumentos técnicos, só o jurídico. Também temos de olhar esse viés econômico-financeiro de cada contribuinte ou setor, para que a gente possa dialogar com o Supremo e o STJ”, afirma.
Esse olhar para o lado econômico, no entanto, não significa deixar de lado os argumentos jurídicos, mas garantir que nem todos os temas tributários sejam decididos majoritariamente com base na questão fiscal.
“Se toda vez um tributo inconstitucional for mantido porque a falta dele vai gerar um rombo orçamentário, a gente não tem mais direito tributário”, afirma Torres, do Pinheiro Neto.
Eduardo Cucolo/Folhapress/Foto: Gustavo Moreno/Arquivo/Divulgação