Vitória de Nunes marca a 1ª vez que o MDB chega ao comando de SP por voto popular

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O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), foi reeleito neste domingo, 27, e vai comandar a administração da maior metrópole da América Latina por mais quatro anos. A vitória marca a primeira vez que o MDB chega ao comando da capital paulista por voto popular. Até então, a única ocasião em que o partido governou a cidade foi em 1983, quando Mário Covas tornou-se o último prefeito biônico antes da redemocratização do País. Com 100% das urnas apuradas, o prefeito somou 3.393.110 votos, ou 59,35% dos válidos, enquanto Guilherme Boulos ficou com 40,62%.

Empresário e vereador por dois mandatos, Nunes tem 56 anos e venceu a eleição com uma ampla coligação de 11 partidos, que vai da centro-esquerda até o PL, partido que hoje abriga boa parte do bolsonarismo. A aliança garantiu ao emedebista o horário eleitoral mais dominante em um pleito na capital paulista desde 2000.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve uma participação discreta e controversa na campanha, enquanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), se consolidou como o principal aliado Nunes, sustentando o apoio à sua candidatura até mesmo nos momentos mais críticos da corrida eleitoral. A relação entre o governador e o prefeito ficou tão estreita que eles passaram a conversar diariamente, com Tarcísio envolvido em quase todas as decisões estratégicas da campanha.

Nunes assumiu a cadeira de prefeito em momento conturbado

Ricardo Nunes assumiu de forma definitiva a Prefeitura de São Paulo em maio de 2021, após a morte de Bruno Covas (PSDB), que lutou contra um câncer por um ano e meio. Na eleição de 2020, o tucano também enfrentou Guilherme Boulos (PSOL), conquistando na época 59,38% dos votos válidos.

Nunes passou a liderar a Prefeitura de São Paulo em um período conturbado, enquanto o mundo ainda enfrentava a pandemia da Covid-19. Como prefeito, ele deu continuidade às políticas de combate ao vírus adotadas por seu antecessor, sem grandes rupturas e mantendo a parceria da prefeitura com o então governador tucano João Doria.

Nunes preservou boa parte do secretariado de Covas, realizando mudanças pontuais. A principal foi a realocação de Edson Aparecido (MDB) para a secretaria de Governo, que funciona na prática como um braço-direito do prefeito. Antes de ocupar o posto, Aparecido era secretário municipal de Saúde, mas deixou o cargo para disputar, sem sucesso, uma vaga no Senado.

Aliados relatam que Nunes demorou a assumir plenamente o papel de chefe do Executivo paulistano. A decisão de se mudar para o gabinete do prefeito ocorreu só um ano depois do falecimento do tucano. Foi por essas e outras razões que, quando a campanha à reeleição começou a ganhar corpo, o prefeito ainda era desconhecido de parte da população. Em agosto de 2023, 21% dos paulistanos diziam não conhecer o prefeito, segundo pesquisa do Instituto Datafolha.

A contratação do marqueteiro Duda Lima foi estratégica para construir a imagem de Nunes e consolidar marcas de sua gestão. No entanto, o principal objetivo da admissão foi estreitar o vínculo de Nunes com o PL, uma vez que Duda Lima é tido como o homem de confiança de Valdemar Costa Neto, presidente nacional da legenda.

Com um caixa recorde — fruto de questões como o aumento no IPTU, a elevação na arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS) e a renegociação da dívida municipal —, Nunes aumentou o nível de investimento na cidade e ampliou os gastos com publicidade para promover sua gestão. O investimento em recapeamento foi uma das primeiras marcas trabalhadas. Outras se somaram a ela, como o Domingão Tarifa Zero e a Faixa Azul, exclusiva para motos.

Gestão como vitrine da campanha

Desde o início, a campanha de Nunes foi planejada para usar sua gestão como vitrine, em grande parte por conta de sua avaliação de governo: no último Datafolha, 26% dos paulistanos classificavam a administração municipal como ótima ou boa. Aliados de Nunes creditam sua vitória à combinação dessa avaliação favorável com a alta rejeição de Guilherme Boulos: mais da metade da população afirma não votar de jeito nenhum no líder sem-teto, segundo o mesmo instituto.

Tanto o marqueteiro Duda Lima quanto o coordenador-geral da campanha, Baleia Rossi (MDB-SP), rejeitavam a ideia de apostar em uma polarização entre Lula e Bolsonaro, especialmente porque o ex-presidente enfrentava uma alta rejeição na cidade, o que poderia contaminar o prefeito.

O caminho de Nunes até a vitória foi mais desafiador do que seus aliados inicialmente imaginavam. Mais de um ano antes do pleito, o emedebista trabalhou nos bastidores para assegurar que o PL não lançasse candidato próprio, o que poderia rachar o campo da direita e deixá-lo em uma posição semelhante à do ex-governador Rodrigo Garcia, que ficou de fora do segundo turno da eleição estadual 2022, desbancado por Fernando Haddad (PT) e Tarcísio.

Efeito Marçal

Deu certo até a chegada do furacão Pablo Marçal (PRTB), ex-coach e influenciador digital que acumula milhões de seguidores nas redes sociais e que tumultuou a eleição paulistana de forma nunca antes vista, com provocações aos adversários e a divulgação de um laudo falso sobre Boulos na véspera do primeiro turno.

Marçal trouxe uma dose extra de emoção à campanha do prefeito, que se viu obrigada a recalcular a rota originalmente traçada para ter o deputado do PSOL como principal adversário.

No início, Marçal foi subestimado pelos aliados de Nunes, que encararam sua candidatura de forma caricatural. Mas ao ingressar na campanha com força, ele capturou parte do eleitorado da direita e fez com que Nunes, mesmo com o apoio do PL, perdesse o eleitorado bolsonarista. O ex-coach também trouxe à tona fragilidades da candidatura do emedebista. Entre elas, a presença pouco expressiva do prefeito nas redes sociais, além de temas mal resolvidos do passado, como o boletim de ocorrência registrado por sua esposa há mais de uma década. Nunes só conseguiu verbalizar a resposta defendida por seus assessores para o caso no último debate do primeiro turno, da TV Globo.

No começo, a campanha do MDB tinha dúvidas sobre como lidar com o influenciador, e o sentimento de desespero tomou conta do QG no fim de agosto, quando Marçal subiu sete pontos no Datafolha. “Todo mundo queria derrubar todo mundo”, relembra um membro do alto escalão da equipe de Nunes.

Tarcísio e o ex-governador Rodrigo Garcia foram alguns dos que defenderam que a campanha tivesse uma postura contra Marçal. E somente com o início do horário eleitoral é que o entorno do prefeito conseguiu respirar sem a ajuda de aparelhos.

A entrada do candidato do PRTB na campanha evidenciou a falta de identidade do prefeito com o bolsonarismo, custando-lhe uma passagem para o segundo turno apertada. Apenas 81,8 mil votos separaram Nunes de Marçal, terceiro colocado.

Também dificultaram a vida de Nunes o fato de ele ter sido o alvo preferido em quase todos os debates, com adversários como Guilherme Boulos, Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB) explorando polêmicas que envolvem o prefeito e sua gestão, incluindo as suspeitas de superfaturamento em obras emergenciais sem licitação e o inquérito da Máfia das Creches, no qual Nunes não foi indiciado pela Polícia Federal.

Os acenos ao bolsonarismo

Apesar de ter apoiado Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2022 e até ameaçado deixar o MDB quando Simone Tebet se uniu a Lula (PT), Nunes é descrito por pessoas próximas como um político de centro com posições conservadoras.

Diferente do ex-presidente, o prefeito não se opõe a políticas públicas para a população LGBT+ e também não questiona a lisura do processo eleitoral ou faz reverências à ditadura militar. Essa diferença de pensamentos colocou o prefeito em saias-justas ao longo da campanha. Na última terça-feira, em um evento com Bolsonaro, o prefeito ficou em silêncio e evitou comentar a declaração do ex-presidente questionando o resultado da eleição que consagrou o retorno de Lula ao poder.

Todo esse contexto levou Nunes a ter de atuar como um equilibrista nos últimos meses, oscilando entre gestos de gratidão a Bolsonaro e o esforço de manter certa distância do bolsonarismo, com medo de que a rejeição ao nome do ex-presidente respingasse em sua candidatura.

A aliança com Tarcísio, com quem passou a dividir agendas semanais, foi fundamental nessa estratégia. Durante a campanha, especialmente no primeiro turno, o prefeito fazia menções frequentes à palavra “democracia” e destacava sua ligação com o MDB, lembrando que se filiou ao partido no mesmo dia em que tirou seu título de eleitor. Em uma entrevista, chegou a se declarar “ricardista,” o que irritou o núcleo mais próximo do ex-presidente.

Para tentar manter parte do eleitorado bolsonarista que poderia migrar para Marçal, Nunes incorporou algumas agendas do bolsonarismo em sua campanha, principalmente no primeiro turno. Passou a abordar temas como a descriminalização das drogas, a proibição do aborto e chegou a afirmar que o passaporte vacinal foi um erro — declaração que não foi bem recebida por alguns aliados, especialmente dentro do MDB. Para não correr o risco de um rompimento com o ex-presidente, o prefeito precisou ir a dois eventos bolsonaristas na Avenida Paulista. Em ambos, sua participação foi discreta. Na reta final do primeiro turno, quando havia o risco de ficar fora da próxima etapa, seus aliados procuraram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para uma declaração pública de apoio.

Integrantes do alto escalão da campanha acreditam que o ex-presidente mais atrapalhou do que ajudou e poderia ter sido mais enfático em seu apoio a Nunes. No início de junho, Bolsonaro chegou a se encontrar com Marçal e lhe entregar a medalha de “imbrochável”, “imorrível” e “incomível”, uma espécie de ultimato para que Nunes aceitasse a indicação do coronel Ricardo Mello Araújo para vice — o que, no fim, acabou acontecendo. Mas o próprio ex-presidente admite que o encontro confundiu seus eleitores no restante da corrida eleitoral.

No segundo turno, Bolsonaro participou de apenas uma agenda oficial com o prefeito, onde fez um discurso de três minutos a uma plateia de empresários e políticos, relembrando a negociação que extinguiu a dívida de São Paulo com a União.

De modo geral, na segunda etapa da eleição, com o confronto direto contra Boulos, a campanha de Nunes foi mais bem roteirizada: o emedebista apostou em carimbar o adversário como um candidato radical e sem experiência política para administrar uma cidade do porte de São Paulo.

O único fato novo foi o temporal que atingiu a cidade no dia 11, deixando 3,1 milhões de imóveis sem luz na capital e região metropolitana. Boulos rapidamente explorou o episódio, culpando a Prefeitura e a falta de poda de árvores pelo caos instalado na cidade.

A “vacina” da campanha de Nunes foi suspender os compromissos políticos e redirecionar toda a agenda do prefeito para a gestão da crise, exibindo esse trabalho no horário eleitoral. O prefeito também subiu o tom contra a concessionária de energia elétrica Enel, responsabilizando o governo federal pelas falhas na fiscalização da empresa. A estratégia conseguiu manter o candidato à reeleição a uma distância confortável de Boulos nas pesquisas.

De vereador da Zona Sul a prefeito de São Paulo

Antes de se tornar prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes cumpriu dois mandatos como vereador pelo MDB, seu único partido até hoje. Na Câmara Municipal, chegou a ser base do governo Fernando Haddad (PT), com direito até mesmo a indicações na administração petista, mas depois rompeu com o hoje ministro da Fazenda e vestiu a camisa da oposição.

Com grande parte de seu trabalho legislativo focado na Zona Sul, seu reduto eleitoral, Nunes ganhou destaque ao presidir a CPI da Sonegação Tributária, que recuperou quase R$ 1,2 bilhão aos cofres municipais, e ao liderar, em 2015, a retirada do termo “gênero” do Plano Municipal de Educação.

Durante seus oito anos como vereador, Nunes dedicou sete deles à Comissão de Orçamento e Finanças, considerada uma das mais importantes da Câmara, e passou um ano na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa.

Com o projeto de reeleição de Bruno Covas, o MDB entrou na fila para indicar o vice, tendo ao seu favor um maior tempo de TV que outros partidos que pleiteavam a vaga. O apresentador José Luiz Datena, que disputou a eleição este ano pelo PSDB, na época se filiou ao MDB justamente para ser vice de Bruno Covas, mas desistiu.

Nunes ganhou peso na escolha porque era presidente municipal do MDB e também pela boa relação com o então prefeito. Ainda contou a favor o fato de Nunes, então vereador, ter seu reduto na zona sul e ser um nome discreto para a vaga. O então candidato a vice, porém, acabou virando uma pedra no sapato de Covas quando veio à tona a história do boletim de ocorrência de sua mulher.

Ricardo Nunes assumiu definitivamente a prefeitura em maio de 2021, com a morte de Bruno Covas, aos 41 anos. O prefeito faleceu no dia 16 daquele mês, em decorrência de um câncer da transição esôfago gástrica, com metástase ao diagnóstico, e suas complicações após longo período de tratamento.

Nascido em São Paulo, Ricardo Luis Reis Nunes, 56, é filho do imigrante português Luis Nunes e da mineira Maria do Céu. Casado com Regina Nunes e pai de três filhos, passou parte de sua vida no Parque Santo Antônio, na periferia da Zona Sul.

Sua carreira política começou aos 23 anos, quando se candidatou pela primeira vez a vereador, sem sucesso. Ele conseguiu a eleição na segunda tentativa. Nesse período, fundou o jornal comunitário “Hora de Ação” e criou a empresa Nikkey, especializada em tratamento fitossanitário, hoje com filiais em várias cidades.

Bianca Gomes/Estadão/Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil/Arquivo

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