Sob pressão política interna, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu recorrer a observadores internacionais para aplacar ataques à lisura das eleições deste ano. A Corte disparou diversos ofícios com convites para autoridades e organizações internacionais acompanharem a disputa pelo Palácio do Planalto. A estratégia ocorre em meio a discursos do presidente Jair Bolsonaro que questionam de forma antecipada o resultado das urnas. As respostas aos chamamentos da Justiça Eleitoral devem começar a chegar entre o fim deste mês e o início de maio.
Dentre os convidados notórios estão a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Carter Center, organização fundada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter na área dos direitos humanos.
A reação foi imediata. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores disse na última quarta-feira que o eventual convite à comunidade europeia destoa do modo de funcionamento convencional das missões de observação. A pasta não recebeu com satisfação o movimento da Justiça Eleitoral de trazer observadores, segundo uma fonte do TSE.
No comunicado, o Itamaraty disse “não ser da tradição do Brasil ser avaliado por organização internacional da qual não faz parte”. Ainda cita, por exemplo, o fato de que a União Europeia “não envia missões eleitorais a seus próprios estados membros”. No TSE, porém, prevalece o interesse de poder contar com grandes organizações internacionais.
Diferentemente dos observadores comuns, as Missões de Observação Eleitoral (MOE) têm como objetivo “contribuir para o aperfeiçoamento do processo eleitoral, ampliar a transparência e a integridade, bem como fortalecer a confiança pública nas eleições”. Esses grupos também celebram acordos com o compromisso de produzir relatórios, em até um ano, com as conclusões e eventuais recomendações à Justiça Eleitoral brasileira
A OEA atuou como missão observadora durante as eleições presidenciais de 2018 no Brasil. Na ocasião, a instituição parabenizou os esforços do tribunal contra as fake news. Foi um gesto de cortesia. Naquele, a Justiça Eleitoral brasileira foi criticada por não tomar iniciativas concretas contra a proliferação de notícias falsas. O Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, instalado pelo TSE naquele ano, sequer se reuniu presencialmente durante a disputa.
Outros convidados de destaque foram o Parlamento do Mercosul (PARLASUL), a União Interamericana de Organismo Eleitorais (Uniore), a Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (IFES) e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – este último confirmou em reunião com o presidente do TSE, Edson Fachin, que enviará uma missão de observação ao Brasil.
O TSE também tem se colocado à disposição de outros países para reforçar o intercâmbio observador, como já fez em anos anteriores. O tribunal deve ter um de seus ministros efetivos escalado para acompanhar as eleições presidenciais da França, cujo segundo turno será disputado no dia 24 de abril. “Iremos nos integrar de pronto ao esforço da comunidade eleitoral internacional pela defesa da democracia e em articulação com instituições e entidades encarregadas dos processos eleitorais no contexto global”, disse Fachin ao tomar posse da Presidência do TSE em fevereiro. “O Brasil observa o mundo e o mundo observa o Brasil”, destacou em outro evento.
Histórico
Com o passar dos anos, o número de observadores internacionais nas eleições brasileiras decaiu. Levantamento feito pelo TSE e obtido pelo Estadão mostra que nas eleições municipais de 2020, apenas seis convidados estrangeiros, de quatro países da América Latina, estiveram no Brasil para acompanhar a qualidade do processo eleitoral.
Na conturbada eleição de 2018, vieram ao País 36 convidados e quatro organizações de 14 países diferentes —- a maioria africanos e latinoamericanos em situação democrática menos consolidada que a do Brasil; as exceções foram Portugal e Coreia do Sul. Os números, porém, nem se comparam com as votações de 2014 e 2010, quando mais de 50 autoridades de 20 nacionalidades diferentes fiscalizaram o sistema eleitoral brasileiro.
No contexto recente da campanha de Bolsonaro contra o sistema eleitoral, a presença de missões de observação, tida como normal em países com a democracia em xeque, está de volta em larga escala no Brasil. Coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Cláudia Santano pondera que não é função dos observadores eleitorais “validar resultados”. “Caso aconteça a contestação do resultado das eleições, existe um universo de medidas, mas quem tem que validar o placar é a autoridade eleitoral”, afirma ela, que tem experiência como observadora no exterior. “Não cabe aos convidados internacionais fiscalizar e defender resultados”, ressaltou. “Os observadores não emitem opinião. Cabe a eles reunir elementos sobre o processo.”
O TSE, contudo, busca respaldo nos observadores mais influentes de países ricos. Sob posse de um mandato relâmpago na presidência da Corte, Fachin tem costurado encontros com autoridades nacionais e internacionais em busca de estreitar os laços de cooperação entre a Justiça Eleitoral brasileira e os organismos dessa área no exterior. No início do mês, ele se encontrou com o encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos, Douglas Koneff.
Os encontros foram registrados na agenda oficial do tribunal como visitas institucionais de cortesia. Em fevereiro, logo após estourar a guerra na Ucrânia, o chanceler Carlos França desmarcou uma reunião com Fachin, cujo objetivo divulgado à época seria discutir a presença da Corte em missões de observação no exterior.
Naquele mês, o presidente do TSE também se encontrou com o embaixador da Alemanha, Heiko Thoms. Em março foi a vez de receber o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybañez Rubio. Depois de vinte dias do encontro, o líder europeu recebeu um convite oficial para trazer lideranças do bloco ao País em outubro.
Diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, Camila Asano destaca a importância de o TSE intensificar as negociações com instituições que têm experiência em observação eleitoral. Em eleições passadas, observadores de democracias menos consolidadas vieram ao Brasil como parte de intercâmbios institucionais.
Por sua vez, a professora de direito público da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) Silvana Batini reforça a importância de o Brasil contar com organizações que sejam referências em observação eleitoral, diferentemente do que aconteceu em anos anteriores a 2018. “O movimento de observadores internacionais que vinha para o Brasil era menos para conferir a credibilidade e mais para observar a nossa experiência e levar os nossos avanços”, afirmou. “Agora é importante que venham confirmar a segurança do sistema mais do que simplesmente nos copiar.”
Além do esforço por apoio internacional, o TSE mantém aberto o flanco nacional. A Corte abriu um edital em março deste ano para permitir que organizações da sociedade civil e instituições de ensino brasileiras se credenciem para atuar como Missões de Observação Eleitoral interna, que funciona nos mesmos moldes da cooperação com os estrangeiros. As entidades interessadas têm até julho para comprovar a capacidade de fiscalização das eleições.
Outras ocasiões
A presença de observadores internacionais na história do Brasil foi além do monitoramento eleitoral:
Rosalynn Carter
Durante a ditadura militar, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Rosalynn Carter visitou o Recife, onde se encontrou com defensores dos direitos humanos e recebeu denúncias de torturas e assassinatos cometidos pelo regime. A esposa do ex-presidente dos EUA Jimmy Carter chegou a se encontrar com o então presidente brasileiro Ernesto Geisel. A atuação de Rosalyn levou à suspensão de cinco acordos militares entre Brasil e EUA. No ano seguinte, porém, seu marido fez uma visita frustrante ao País.
ONU
Em 2015, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Juan Méndez visitou as delegacias e prisões brasileiras. Ele identificou a prática recorrente de tortura durante os interrogatórios de suspeitos detidos. No ano seguinte, Méndez apresentou um relatório ao governo brasileiro com denúncias sobre superlotação nos presídios e maus tratos dos internos.
OEA
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH-OEA) visitou o Brasil em novembro de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, para realizar um abrangente diagnóstico da situação do País em relação às garantias fundamentais de seus cidadãos. Em fevereiro do ano passado, o relatório da visita foi publicado com informações de que se intensificaram as ameaças à liberdade de expressão, sobretudo contra jornalista, durante as eleições.
Estadão Conteúdo/Foto: Dida Sampaio/Estadão/Arquivo