Defesa assegura investimento maior que obras, Educação e Saúde

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Walter Braga Netto/Foto: Mateus Bonomi/Arquivo/Agif/Folhapress

Enquanto o espaço para investimentos no Orçamento do governo federal encolhe ano a ano, o Ministério da Defesa tem conseguido driblar os cortes e até elevar sua fatia nessas despesas, ganhando prioridade em relação a áreas como saúde, educação e infraestrutura.

Em 2022, a Defesa tem uma reserva de R$ 8,7 bilhões para investimentos, o equivalente a 20,7% dos R$ 42,3 bilhões autorizados para este ano.

Na prática, a cada R$ 5 destinados a esse tipo de gasto, R$ 1 está carimbado para a área militar. Essa fatia era de 14,2% em 2015 e vem crescendo desde então.

O valor da Defesa supera a soma das dotações nos Ministérios da Saúde (R$ 4,6 bilhões) e Educação (R$ 3,45 bilhões), que tiveram ambos queda real de cerca de 3% em relação ao ano passado.

A dotação da pasta também é maior do que os recursos aprovados para obras e aquisição de equipamentos pelo Desenvolvimento Regional (R$ 7,5 bilhões) e pela Infraestrutura (R$ 6,5 bilhões).

Os investimentos dessas duas pastas incluem manutenção e abertura de estradas, obras de segurança hídrica, saneamento básico, habitação social e mobilidade urbana.

Os valores por ministério foram coletados pela IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado a pedido da Folha e já incluem os recursos indicados por emendas parlamentares —que são pulverizados de acordo com interesses locais dos congressistas.

A contabilização de inversões financeiras, um outro tipo de investimento que inclui aportes em fundos de financiamento ou aquisição de ativos que já estejam em uso pelo governo, elevaria o valor total a R$ 47,3 bilhões, mas não alteraria o quadro entre ministérios.

A distribuição dos investimentos gera críticas de especialistas, sobretudo no momento em que o país ainda se recupera dos efeitos da pandemia de Covid-19 e deveria direcionar esforços para áreas que tiveram suas deficiências testadas pela crise sanitária.

Já a área de infraestrutura enfrenta gargalos históricos. Os investimentos previstos para manutenção, construção e adequação de rodovias em 2022 equivalem a apenas um terço do que seria necessário, segundo cálculos da consultoria Inter.B encomendados pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Fontes da área econômica avaliam que os militares têm um bom histórico de execução de projetos, mas também contam com maior simpatia do presidente Jair Bolsonaro (PL). Representantes do grupo militar também se aproximaram do bolsonarismo e do jogo político do chefe do Executivo.

No Orçamento, algumas das ações programadas pela Defesa incluem a aquisição de cargueiros militares, sistemas de monitoramento de fronteiras e desenvolvimento de sistemas de tecnologia nuclear da Marinha.

Procurada, a pasta não se manifestou até a publicação deste texto.

A professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Ligia Bahia, especialista em saúde coletiva, alerta que a pandemia evidencia a necessidade de haver investimentos em infraestrutura para lidar com emergências sanitárias e desenvolver vacinas e testes.

“Não é só pesquisa, mas plantas físicas, modernização de hospitais, de toda a rede de cuidados ambulatoriais, testagem, telemedicina, investimentos tecnológicos, fazer cirurgia por robô. É um conjunto de investimentos que está batendo às nossas portas”, afirma Bahia.

“É completamente assustador. A Defesa é mais importante do que a saúde? A gente tem defesa contra o inimigo, mas a gente não tem defesa da nossa saúde?”, questiona a professora.

O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, afirma que o quadro dos investimentos públicos preocupa porque eles já estão em patamares historicamente baixos. Mesmo considerando todos os gastos de União, estados, municípios e estatais, o investimento público brasileiro fica em 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto).

O nível é bem abaixo da média de 3% do PIB observada entre países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), “clube de países ricos” do qual o Brasil almeja fazer parte.

“Nos países da OCDE, as duas maiores áreas de investimento são educação e assuntos econômicos e transporte. Isso responde por 60%”, diz Salto, reconhecendo que investimentos da Defesa são concentrados na esfera federal, enquanto educação e saúde recebem reforços de estados e municípios.

“Se nós queremos ter uma recuperação do crescimento econômico, ou a gente aumenta e melhora a qualidade dos investimentos, ou continua patinando”, afirma.

O economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, avalia que o teto de gastos —regra que limita o avanço das despesas à inflação— expôs o cenário de escassez de recursos, e os investimentos se tornaram alvo preferencial por serem fáceis de cortar e difíceis de executar.

“Dentro desse resíduo, que a gente vai chamar investimento, este governo em particular introduziu um viés peculiar de agradar o que ele acredita ser uma base importante dele, as Forças Armadas”, afirma Frischtak.

“Isso não faz sentido, pois me parece que a taxa social de retorno dos investimentos em infraestrutura, quando bem executados, tende a ser maior do que a desses investimentos alternativos”, acrescenta o economista.

O presidente da Inter.B reconhece que o Brasil tem uma série de lacunas na análise de custo-benefício dos investimentos públicos, mas avalia que essa prática deveria ser fomentada para o estabelecimento de prioridades a partir de bases técnicas.

O professor do IFRS (Instituto Federal do Rio Grande do Sul) Gregório Grisa, doutor em Educação, afirma que o investimento em educação seria uma aplicação de recursos com alto retorno, além de ser progressivo, pois beneficia mais os cidadãos de menor renda.

“O investimento em educação pública é extremamente progressivo, tem alto índice de retorno social para os mais pobres”, afirma.

No entanto, o baixo nível de investimentos em educação pública compromete não só esse desenvolvimento, mas também o alcance de metas do próprio PNE (Plano Nacional de Educação), que tratam de expansão de taxas de matrícula no ensino técnico e superior.

“O nível de investimento atual inviabiliza qualquer tipo de expansão dos institutos federais e das universidades, compromete compra de equipamentos e insumos para laboratórios, acervos”, critica.

Na educação básica, segundo Grisa, o grande gargalo é a ampliação do ensino em tempo integral. “Estados e municípios não têm capacidade de construir prédios. Há uma dependência da União para se ter investimentos para novas creches”, diz.

Além das críticas à distribuição dos investimentos entre ministérios, os especialistas também alertam para as ineficiências da concentração dessas despesas nas mãos de congressistas por meio das emendas.

Neste ano, as emendas de investimento somam R$ 17 bilhões, ou 40% do total. Embora ainda sejam investimentos, são gastos pulverizados, que dificilmente financiam obras estruturantes. Por isso, são considerados de baixa eficiência.

“Precisamos de investimento mesmo, [dinheiro] que possa criar alguma coisa nova, porque emendas parlamentares não têm esse poder. As emendas são paroquiais, para coisas que já existem”, afirma a professora Ligia Bahia.

Como mostrou a Folha no ano passado, a Defesa executou R$ 8,1 bilhões em 2020 em investimentos, tendo sido o menor nível em uma década.

As despesas com pessoal ocupam a maior fatia do gasto militar anual, representando mais de 70% do total. No ano retrasado, significaram 79,6% do orçamento da pasta.

Idiana Tomazelli/Estadão Conteúdo

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