O déficit que Bolsonaro criou

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O surgimento de déficit primário nas finanças estaduais em outubro, depois de superávits mensais consecutivos desde junho de 2020 (com exceção dos meses de dezembro), é a primeira consequência nas finanças públicas da decisão político-eleitoral do presidente Jair Bolsonaro de fazer baixar temporariamente o preço da gasolina, da energia elétrica e das telecomunicações, transferindo os ônus para os governadores. As contas dos Estados registraram déficit primário de R$ 3,9 bilhões em outubro, o que significa uma piora de R$ 10,5 bilhões em relação ao resultado de um ano antes, segundo as estatísticas fiscais do Banco Central (BC).

A conta tende a piorar, daí o caráter de urgência com que os futuros governadores tratam a reunião prevista com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No encontro, certamente dirão que os Estados precisam de alguma compensação financeira da União para conter a sangria financeira que vêm sofrendo. Às voltas com problemas fiscais mais sérios, o futuro governo federal terá dificuldades para atender à demanda dos governadores. Nessa questão, pelo menos, não será um bom começo de gestão para o futuro presidente nem para os futuros governadores.

A limitação da incidência do ICMS, o principal tributo estadual, foi o meio que Bolsonaro encontrou para conter a alta das tarifas de energia e do preço dos derivados de petróleo, que vinha corroendo sua popularidade no momento em que precisava fortalecer sua campanha pela reeleição. Era medida de efeito temporário, pois, no caso dos combustíveis, os preços internos estão condicionados às cotações internacionais do petróleo, que continuam a oscilar.

O custo dessa aventura sobre as finanças estaduais começa a ser conhecido um mês depois de Bolsonaro ter perdido a disputa. Pelo peso que a arrecadação do ICMS sobre esses itens tem nas finanças estaduais, não parece haver dúvidas que os déficits se repetirão nos meses seguintes.

Ao avaliar a deterioração de R$ 10,5 bilhões nas finanças estaduais em 12 meses (o resultado passou de superávit de R$ 6,6 bilhões para déficit de R$ 3,9 bilhões), o chefe do Departamento de Estatística do Banco Central, Fernando Rocha, destacou que “um aspecto importante é a redução de receitas, dado que a variação real do ICMS caiu 12,1% quando se compara com outubro de 2021?. Outros estudos chegaram a conclusões semelhantes à apresentada pelo BC. A perda da arrecadação em um ano supera 10%, o que tem impacto nada desprezível nas contas estaduais.

Cria-se, agora, uma situação bem diferente da que vinha sendo observada desde o auge da pandemia, em junho de 2020. Naquele momento, transferências extraordinárias da União para que os governos estaduais pudessem enfrentar a crise da covid-19 contribuíram para a geração de superávits primários (que excluem os gastos com a dívida) dos Estados. A retomada das atividades econômicas, com a redução das restrições à circulação das pessoas, e o impulso propiciado pela inflação mantiveram as contas estaduais positivas. Os resultados negativos nos meses de dezembro eram sazonais, devidos ao pagamento do 13.º salário do funcionalismo.

Em junho deste ano, já no período de campanha eleitoral, o presidente da República sancionou a lei que impôs o teto de 18% para a alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicação. Esses itens são os que mais pesam na arrecadação dos Estados. Daí a arrecadação desse tributo ter caído 6,5% em valores reais no terceiro trimestre deste ano na comparação com igual período de 2021. É efeito que se repetirá daqui para a frente.

Alguns cálculos dos secretários estaduais de Fazenda apontam perda de R$ 125 bilhões de receita em um ano. Desaceleração do crescimento e perda de dinamismo das exportações de commodities são outros fatores que imporão acertos financeiros aos Estados, que estão exigindo compensações da União. Não será um ajuste fácil nem será fácil encontrar uma solução que agrade tanto ao governo federal como aos estaduais.

Estadão

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