Foi no mês de outubro, no dia 05 de 1897, que o arraial de Belo Monte, fundado por Antônio Conselheiro, veio abaixo através da quarta expedição do exército brasileiro. A Guerra de Canudos, como ficou chamada as batalhas dos conselheiristas — vulgarmente chamados de “Jagunços” — contra o exército da recente República brasileira (que não possuía nem dez anos!). Durou pouco menos que um ano, mas rendeu marcas que ainda prevalecem na sociedade sertaneja, na literatura e no impressionante apagamento da memória histórica nacional. A Guerra de Canudos (1896-1897), em números de baixas superiores à Guerra do Contestado, é claramente a maior guerra civil ocorrida em solo brasileiro. A expressão de baixas que ultrapassam vinte mil, entre soldados e conselheiristas, que em quatro combates mostrou a ineficiência do novo sistema de governo em lidar com os contrastes da realidade sertaneja deste país, de proporções continentais. Os motivos já são compreendidos e estudados pelos historiadores que buscaram elucidar, há quase 120 anos, o desenrolar da Guerra. Uma delas envolve a insubordinação do líder religioso e popular — Antônio Conselheiro — ao Brasil que buscava secularização nos processos que feriam o sacramento da Igreja: O casamento que tornou civil; O “incômodo” dos poderes locais às massas que transitavam ao espaço de Canudos — um local, sem uso social, de um grande dono de terra chamado de Barão de Canabrava; por fim, o calote da madeireira a Antônio em Juazeiro da Bahia, que motivou o alerta de “invasão” dos conselheiristas para as autoridades. Depois destes acontecimentos, a paz do local fundado em 1893, denominado de Belo Monte, com quase vinte mil pessoas, acabou. Como disse Euclides Da Cunha, em Os Sertões: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo”.
A Guerra deixou as marcas para além da tragédia na história: deixou para os sertanejos, especificadamente o nordestino, um estereótipo que consolidou diante do século XX. O promotor? A literatura da seca, oriunda de um tutor chamado Os Sertões. Os escritos de Euclides da Cunha inauguraram, dentro do sertão baiano, uma leitura da natureza da caatinga junto ao homem: “O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira
simplório”. As características observadas pelo seu determinismo geográfico, permitiram, dentro de sua erudição, adentrar a literatura e cinema do século XX com bastante ênfase, tornando os desafios do nordeste como essência de sua identidade. Prejudica, inclusive a compreensão de pluralidade da cultura e vivência nordestina como um todo, provocando um histórico de estereótipos que nos arrastam até hoje. Como um fio condutor, a história realiza vários nós, que seguram em pontos bem amarrados. E este é um que precisamos tirar: de Canudos a nós, pela literatura, o que nos legou? O que precisa ser revisitado — nos escombros literários de Euclides, Arinos, Mangabeira— para entendermos como nos veem? O que o Nordeste é, antes ou depois, de Canudos para o resto do Brasil? Perdura até hoje? É preciso revisitar esse nó da História para surgir as respostas.
Eduardo França de Souza – Historiador e Escritor. Colaborador do jornal A Notícia do Vale.