O ministro Alexandre de Moraes busca o respaldo dos colegas de STF (Supremo Tribunal Federal) para assumir a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com mais força perante o Poder Executivo e para inibir ataques às instituições nas comemorações do 7 de Setembro. Ele pautou para o plenário virtual da corte ao menos 21 recursos contra suas decisões em inquéritos que tratam de fake news e dos atos violentos no 7 de Setembro passado, que costumam gerar embates com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Com isso, Moraes aguarda que o tribunal referende suas decisões individuais e demonstre que a ofensiva contra notícias falsas e ataques incentivados por Bolsonaro e por seus aliados não é isolada, mas sim uma agenda da maioria do Supremo. A análise dos casos está marcada para começar em 12 de agosto e se encerrar no dia 18. Nesse período, os ministros inserem os seus votos no sistema virtual da corte. Os magistrados podem solicitar destaque, o que interrompe o julgamento e o obriga que ocorra no plenário físico, ou pedir vista e suspender a análise do tema por tempo indeterminado.
O ministro se tornará presidente do TSE no dia 16, sucedendo a Edson Fachin. O cenário ideal é que suas decisões individuais não tenham sido revertidas e que a maioria dos integrantes da corte tenha dado respaldo à sua atuação, como vem ocorrendo desde o início das investigações sobre notícias fraudulentas em curso no Supremo. Um dos julgamentos discutirá a determinação de Moraes para que a Polícia Federal realize um relatório sobre o material colhido de quebras de sigilo telemático no inquérito que apura vazamento de dados sigilosos de uma investigação da PF sobre hackeamento do TSE.
Será analisado recurso em que a AGU (Advocacia-Geral da União) diz que o novo relatório é uma tentativa especulativa do ministro de conseguir provas. Outro processo diz respeito ao pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para que seja encerrado inquérito que investiga se Bolsonaro cometeu crime ao associar a vacina contra a Covid-19 à Aids. O procurador-geral, Augusto Aras, afirma que a apuração não poderia ter sido aberta a pedido do Senado Federal —o inquérito é consequência da CPI da Covid.
Caso não decida pelo arquivamento, a Procuradoria pede que a apuração seja conduzida pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator de apurações oriundas da CPI relativas ao mandatário, e não por Moraes, porque o caso não teria conexão com o inquérito das fake news. Além desses julgamentos, Moraes tem procurado se antecipar a possíveis ataques às instituições organizados por manifestantes com monitoramento de redes sociais e tomado decisões que passam recados de que não irá tolerar esse tipo de conduta.
Moraes tem sido munido com informações apresentadas por entidades e por acadêmicos que monitoram as redes sociais com o objetivo de identificar eventuais mobilizações que ponham em risco a segurança do Judiciário, de seus integrantes ou das eleições. No fim de agosto passado, o Supremo instituiu um Programa de Combate à Desinformação na corte, que conta com a ajuda de organizações e universidades como parceiros. Desde então, os ministros são munidos com publicações falsas ou de ataques à corte.
A partir de informações que tem recebido de diversas fontes em seu gabinete, Moraes tem apresentado decisões cujos objetivos são de inibir a organização de atos de extremistas, sobretudo os inspirados na invasão do Capitólio em janeiro de 2021, após a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos.
A mais emblemática delas foi a prisão do suplente de vereador de Belo Horizonte Ivan Rejane Boa Pinto, o Terapeuta Papo Reto, no último dia 22. Ele falava em “caçar” e “pendurar de cabeça para baixo” políticos de esquerda, como o ex-presidente Lula (PT) e o deputado Marcelo Freixo (PSB), além de ministros do STF.
Moraes decidiu instaurar um procedimento sigiloso a partir do que chamou de “publicações recebidas” pelo gabinete e “disponibilizadas nas redes sociais”. O caso ficou sob sua responsabilidade por ligação com o inquérito das milícias digitais, do qual também é relator.
No dia 19, ele encaminhou para a Polícia Federal as publicações de Boa Pinto, que pediu a prisão do suspeito e busca e apreensão no dia 20, além de bloqueio das redes sociais. No mesmo dia, com o processo sob sigilo, Moraes acatou o pedido da PF e determinou as medidas.
O ministro foi mais rápido do que partidos que estavam preparando pedidos contra Boa Pinto pelas publicações nas redes sociais. O PT só foi protocolar uma petição sobre o caso no Supremo no dia 22, quando o suplente de vereador estava sendo preso. “A situação ilegal já havia sido identificada e o pedido judicial estava em elaboração”, diz o advogado do partido, Cristiano Zanin Martins, à reportagem.
A decisão é parecida com a tomada por Moraes no ano passado, quando determinou a prisão do caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, pouco antes das manifestações de 7 de setembro. Essa determinação, porém, foi dada somente após Zé Trovão descumprir determinações mais leves de Moraes, como o bloqueio de chave Pix que o bolsonarista vinha recebendo para organizar os atos. Em vídeo, ele divulgou e pediu dinheiro em uma nova chave.
Bolsonaro também tem agido de forma similar ao ano passado. Ele tem feito declarações que, sem provas, tentam pôr dúvidas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral. No ano passado, o presidente fez uma live sobre o tema, que acabou virando alvo de investigação. Neste ano, ele fez uma apresentação a dezenas de embaixadores estrangeiros com argumentos similares.
O temor com as manifestações de 7 de Setembro deste ano fez as cortes superiores se anteciparem na definição de protocolos de segurança. O receio é que Bolsonaro use o desfile militar do Bicentenário da Independência para insuflar apoiadores contra o Judiciário e o sistema eleitoral brasileiro.
Generais do Alto Comando das Forças Armadas ouvidos pela Folha afirmam, sob condição de anonimato, que o desfile de 7 de Setembro deve levar cerca de 120 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios este ano. O número é maior que em anos anteriores, quando até 100 mil pessoas acompanharam o evento.
O desfile ainda deve contar com cerca de 4,5 mil militares, agentes de outras forças de segurança e alunos do Colégio Militar de Brasília. A expectativa de grande mobilização tem três motivos: a comemoração do Bicentenário da Independência, a volta do desfile após dois anos sem evento oficial em razão da pandemia e as convocações feitas por Bolsonaro.
José Marques, Matheus Teixeira e Cézar Feitoza / Folhapress